segunda-feira, 13 de abril de 2009

Precaução e Prevenção como princípio das Políticas de Segurança Pública

Trecho de paper. Trabalho elaborado por Rostonio Uchôa Lima Oliveira e construído com o objetivo de compor a avaliação semestral do Curso de Mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na cadeira “Direitos Fundamentais”, lecionada pelo prof. Dr. José Joaquim Gomes Canotilho, no período de 2008/2009

Se por um lado reconheceu-se que não houve ofensa direta ao núcleo essencial dos direitos à proteção, de outro reconhece-se que este dever de proteção cada vez mais vai alargando o seu significado, passando a contemplar situações antes não previstas. É um devenir impulsionado pela necessidade cada vez maior da «eficiência do aparelho estatal». Este alargamento exemplifica a forma de «expansão vertical», na qual importa a profundidade/amplitude com que são entendidos os direitos fundamentais.
Portanto, se numa concepção liberal, o direito à proteção só contemplava a esfera subjetiva do indivíduo face à intromissão do Estado, hoje já é possível vislumbrar a aplicação de alguns institutos típicos de direito ambiental na seara do direito penal e administrativo. Por certo, o Direito Ambiental é um Direito Administrativo em sua raiz, entretanto a especificidade do seu objeto trouxeram novos parâmetros de proteção, que são os princípios da «prevenção e precaução».
O princípio da precaução se constitui no principal norteador das políticas ambientais, à medida que este se reporta à função primordial de evitar os riscos e a ocorrência dos danos ambientais.[1] Enquanto no princípio da prevenção trabalha-se com riscos potenciais, o da precaução tem sua máxima aplicação em casos de dúvida. Em decorrência deste, Maria Alexandra Aragão chega a falar de uma espécie de princípio «in dubio pro ambiente».
Analisando-se os institutos jurídicos sob este espectro evolutivo, projeta-se a influência desses princípios no âmbito das políticas públicas de segurança e combate ao crime, inclusive se seria possível a utilização do princípio «in dubio pro vítima» para a reparação das vítimas da criminalidade [2], o que acaba por ser um desafio para este trabalho.
Parte-se da idéia de que não se pode ficar preso a uma concepção obsoleta dos direitos à proteção, mormente a segurança, já não mais sendo suficiente a idéia de Estado punitivo e repressor das condutas criminosas, pois desta forma não estaria dando mínima eficácia aos direitos fundamentais. É, sem dúvida, esperada uma atuação preventiva por parte do poder público no combate à criminalidade e à violação dos direitos humanos. Mais adiante, é perfeitamente concebível a idéia de precaução como princípio orientador das políticas públicas de segurança, uma vez que os eventos criminosos são incertos e nem sempre realizáveis, exige uma atuação policial precavida, com o objetivo de dar maior efetividade ao direito à segurança. É o caso da necessidade de comunicação à autoridade competente para a realização de uma reunião pacífica em praça pública. Se é pacífica, não é possível falar de previsibilidade de violência, mas sim de precaução.
Não se está aqui para defender que o risco legitimador dos princípios da precaução e da prevenção, possa ser invocado para, conforme o professor Gomes Canotilho, combater as “organizações de risco” com o fundamento na idéia de segurança e defesa dos cidadãos.[3] Assim como ele, concorda-se que o princípio da precaução e da prevenção, hoje erguidos a princípios constitucionais e jus-internacionais estruturantes do direito ao ambiente e à qualidade de vida, não correspondem à antecipação da tutela através da formatação de crimes de perigo abstrato, de crimes de perigo hipotético e de crimes de tentativa.
De forma mais clara, defende-se que a utilização destes princípios não deva servir para a prática de mais ofensas aos direitos fundamentais, mas sim que venha trazer um novo aspecto para o amparo das vítimas da criminalidade e orientação das políticas de segurança pública.
Admitida a jurisdicidade destes princípios dentro do âmbito das políticas de segurança pública, questiona se estes são correlatos à possibilidade de responsabilização do Estado pela violação do dever de proteção com base na prevenção e precaução. É possível atribuir uma indenização ao particular vítima de crime cometido por terceiro quando o Estado falha em prevenir ou precaver a criminalidade?
Conseguir estabelecer o nexo dessa relação sem comprometer o orçamento estatal é, sem dúvidas, um grande avanço para a doutrina relativa ao direito à segurança, mas principalmente para a realização concreta da justiça no que diz respeito ao amparo das vítimas da criminalidade.
A questão fora lançada sem grandes pretensões de apresentar as respostas, mas sim buscando abordar as questões envolvidas. Primeiramente, constata-se uma evolução vertical dos direitos humanos, e que também pode se observada nos direitos de proteção. Este movimento evolutivo ainda não cessou e continua paulatinamente aprofundando-se e abrangendo situações cada vez mais. Percebido isso, não é de se admirar a possibilidade do direito à segurança incorporar em significado semântico-jurídico também os princípios da prevenção e precaução, não unicamente como forma de orientação das políticas públicas, mas efetivamente da proteção jurisdicional.
Quanto ao caso que se propôs estudar, é importante perceber que um dos motivos que fundamentaram a decisão foi exatamente o fato da polícia ter ciência de reiteradas práticas criminosas em certo local e não tomar atitude no sentido de combatê-la. Este motivo repousa sua fundamentação jurídica justamente no princípio da prevenção, aplicado às práticas criminosas. O interessante, em tal caso, não é concluir que o princípio da prevenção deve ser aplicado às políticas de segurança pública, mas sim que o mesmo fora aplicado jurisdicionalmente para atribuir direito ao particular face a falha em sua concretização.
O princípio da precaução parece corresponder mais com a idéia de omissão genérica, ou seja, aquela em que o Estado não estava por lei especificamente obrigado a agir e nem mesmo as circunstâncias fáticas geraram esta responsabilidade. Nesta compreensão, o princípio da precaução ainda não é, por si só, suficiente para gerar a obrigações de reparação.
[1] COLOMBO, Silvana Brendler. O principio da precaução no Direito Ambiental . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 488, 7 nov. 2004. Disponível em: . Acesso em: 26 dez. 2008.
[2] ARAGÃO, Maria Alexandra. Sumários desenvolvidos. A renovação exológica do Direito do Ambiente. Ano lectivo 2008-2009. 2º ciclo. p. 62.
[3] Ações típicas do «direito penal do inimigo», a qual não é advogada nessa obra. Ver também GOMES CANOTILHO, J.J. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra editora, 2008. p. 241.

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