terça-feira, 28 de abril de 2009

CNJ adia definição de trajes para entrar nos Tribunais

Ficou adiada para as próximas sessões plenárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a decisão sobre quais são os trajes adequados para que as pessoas possam entrar nos Tribunais. Na sessão plenária desta terça-feira (28/04), o conselheiro Técio Lins e Silva pediu vistas do Procedimento de Controle Administrativo (PCA nº 2009.10000001233) para estudar melhor o assunto. “Daqui a pouco vai ser necessário criar a Agência Nacional de Regulação do Vestuário”, ironizou o conselheiro.
Até a interrupção do julgamento, quatro conselheiros (Rui Stoco, Mairan Maia, Altino Pedrozo e Antônio Umberto de Souza Junior) já haviam votado com o conselheiro relator, ministro João Oreste Dalazen, pelo indeferimento do pedido do advogado Alex André Smaniotto. O advogado pediu que o CNJ revogasse a portaria da comarca de Vilhena, Rondônia, que restringe o acesso de pessoas ao Fórum em função dos trajes que vestem. Na sessão plenária, os conselheiros Jorge Maurique e Andréa Pachá votaram pelo não conhecimento do pedido.
Pessoa carente - No processo, o advogado alega que o juiz responsável pela Comarca de Vilhena proibiu a entrada de pessoas com calção, shorts e bermudões, como também de bonés e chapéus e que presenciou uma pessoa “extremamente carente” ser impedida de entrar nas dependências do Fórum porque usava bermuda abaixo dos joelhos e camiseta surrada. “Como podemos restringir a entrada de qualquer indivíduo pelas suas vestimentas se elas não infringem a lei?”, indagou o advogado no PCA.
A resposta ao advogado foi dada no voto divergente do conselheiro Paulo Lôbo. Segundo ele, “a Constituição estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. E o magistrado não é legislador”. Segundo o conselheiro Paulo Lôbo, não é razoável que o cidadão seja obrigado a trocar a roupa, que normalmente usa para transitar nos espaços públicos e privados, para ir ao Fórum de sua cidade tomar conhecimento de processos de seu interesse. “Tais proibições, longe de valorizar o Judiciário, o distanciam do cidadão, como local de intermediações às pessoas comuns do povo”, esclarece Paulo Lobo em seu voto.
O conselheiro ministro João Oreste Dalazen fez questão de esclarecer que seu voto não significa “restrição de acesso à Justiça”. Os conselheiros Jorge Maurique e Andréa Pachá, opinaram que o assunto deveria ser tratado pela Corregedoria do Estado. O conselheiro Paulo Lobo citou como exemplo o recente julgamento da demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a entrada, no plenário da Corte, de índios trajando apenas bermudas e cocar.

EF/SR
Agência CNJ de Notícias
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COMENTÁRIO
É particularmente interessante tal questão, muito embora pareça pitoresca, porque presenciei inúmeras vezes o mesmo fato se repetir no prédio do Fórum em que trabalho. Existe tal restrição expressamente afixada na porta do edifício, de modo que se atribui ao segurança a função de decidir (in concreto) quem pode entrar e quem não pode.
Cheguei a presenciar casos em que pessoas bastante pobres se deslocarem do interior (70 km de distância) para audiências no Juizado Especial e serem impedidas de se apresentarem na audiência, acabando por incorrerem em revelia e, consequente, condenação. Obviamente, aquele cidadão do "interior" nunca irá ver justiça naquela sentença. E digo mais, nós Oficiais de Justiça ao cumprirmos o mandado de citação não temos a obrigação de informar que a pessoa deva comparecer de calça e camisa de manga. Também tal conteúdo não se encontra na lei e nem na constituição, então, não há a presunção do seu conhecimento. Trata-se apenas de uma ordem verbal (que já faz parte da nossa tradição, senão da cultura) e que foi materializada em um papel afixado na entrada do prédio. Que validade poderá ser conferida a tal disposição? E mesmo se for possível cogitar a validade, podemos considerar uma questão justa?
Tentarei tocar em alguns pontos que considero particularmente significativos para uma manifestação.
Em primeiro, tal disposição tem natureza típica de um ato administrativo, como é óbvio, e não de um ato jurisdicional. Mas isso não dispensa a presença do atributo da «legalidade». É uma velha máxima do Direito Administrativo (em que pese as exceções) em que diz que "a Administração só pode fazer aquilo que a lei prescreve"; não se trata de uma liberdade negativa. Então se a lei não dispõe diretamente sobre a matéria, não está nela uma autorização para que isso seja admitido.
Então, donde poderíamos extrair sua validade? Um argumento, por certo, é da «salvaguarda dos bons costumes». De fato, não se negue a importância do costume para o direito. A escola histórica de Savigny, que predominou na Alemanha até antes da promulgação do BGB-1900, considerava o direito como a realização de um projeto comunitário, expresso, como diria o mesmo Savigny, na volksgeist. Tal importância da manifestação cultural vemos também no pensamento do Dr. Castanheira Neves, embora sem tanto realce na perspectiva histórica. O caso que se apresenta mostra-nos a importância que ainda tem o costume nos dias de hoje, em que pese tenhamos vivido e superado o auge do iluminismo racionalista.
E justamente por expressar uma regra que está relacionada aos bons costumes é que não posso dizer, a princípio, que a mesma seja de todo mal. Novamente, em minha experiência forense, presenciei mulheres com shorts minúsculos, camisestas de alça e ventre à mostra pretenderem entrar no Fórum. Nesse caso, até acredito que esta regra seja "boa". Mas o interessante é que, mulheres de saia podem entrar (e não importa o tamanho da saia), o que é proibido são shorts, bermudas e camisas sem-manga. Portanto, muito embora essa regra seja "boa" em sua intencionalidade, ela não consegue manifestar-se em concordância com o princípio da igualdade (trata situações de mesma ratio de forma diferente), da publicidade (pois não se pode presumir o conhecimento por todos) e da razoabilidade (prevê uma sanção de bem maior peso do que o fim que pretende resguardar).
Algumas situações engraçadas que presenciei merecem ser citadas, justamente para funcionar como uma etapa desconstrutiva de tal afirmação, não exatamente nos moldes, mas em vista ao que propunha Derrida. Uma, ainda quando nem era estudante de direito, mas estava acompanhando (como intérprete) um grupo de nacionais de Bermudas (não o traje, mas o país), e uma das visitas agendadas era ao Tribunal de Justiça do Piauí. Lá, ao chegarmos, fomos impedidos de entrar porque os estrangeiros trajavam «terno, gravata e bermudas», ou seja, seu traje oficial. Então, foi preciso uma autorização expressa do presidente do Tribunal para que os permitesse adentrar. Outra que presenciei, foi um «transexual, nascido do sexo masculino» vestindo saia, de cabelos longos e batom, que quis adentrar ao Forum, tendo sido impedida(o) pelo segurança. Pois bem, uma mulher pode, mas um «homem» não pode. Não seria um constrangimento indevido na liberdade sexual do indivíduo?
Somados esses eventos, com alguns que presenciei de revelia porque a parte (muito pobre) não possuía nenhum traje «adequado», resta-me a impressão de que essa regra é de certa forma injusta, antes de dizer «ilegal ou inconstitucional». E a considero inconstitucional porque se trata de uma restrição, sim, ao princípio do AMPLO acesso à justiça. Essa amplitude reflete desde o «direito a uma sentença justa e a sua efetivação» ao «direito de demandar», e mais além! Ao acesso físico à instituição judiciária.
E agora para lembrar Robert Alexy, entendo que uma restrição a um direito fundamental (acesso ao judiciário) só poderia ser justificada se e para satisfazer um outro direito fundamental (tenho dificuldades de conceber os «bons costumes» como um direito fundamental, mas é aquele que se nos apresenta). De modo que a restrição de um haverá de ser proporcional à satisfação do outro, multiplicado pelos pesos em concreto e pesos em abstrato. Sei que assim exposta é um tanto quanto difícil de entender (desculpe o humor, mas fico imaginando aquele que ficou impedido de entrar no Fórum porque não possuía nenhuma calça comprida querendo entender o que se passa nos tribunais para decidir se ele pode ou não adentrar no prédio; é um tanto quanto hilário e me/nos faz sentir(mos) pedantes, senão tolos!)
E agora, peço desculpas aos colegas juristas, pois não vou mais detalhar o meu pensamento de forma dogmática, posto que a solução da equação que propus certamente conferirá direito ao pobre senhor constrangido.
E peço também desculpas ao pobre senhor! Porque escondemo-nos atrás da aplicação exegética de leis e regras, outras vezes recorrendo às teorias mais mirabolantes da dogmática jurídica, para contrapor àquele hermenêutica exegética, quando na verdade o que nos falta é o simples «BOM SENSO».
E eu pergunto, é justo permitir que alguém incorra em revelia, impedido de adentrar ao Forum, quando não tenha uma calça comprida? Porque não foi capaz de comprar uma?
Sinceramente, para mim a resposta está claramente dada. E não queria crer que a retirada da norma implicaria obrigatoriamente a «desordem», a «baixaria», ou a «falta de respeito» dentro da instituição judiciária. Não acho minimamente cabível o argumento «e se todos pudessem vir de bermudas?». Primeiro porque advogados e estagiários não iriam de bermudas só porque tal «aviso» não está mais afixado. Segundo porque as pessoas em regra vestem-se em conformidade ao costume. Terceiro, aqueles poucos que iriam de bermuda, expressão nada além do que a sua natureza (ou pobres, ou mais «à vontade») e desafio que se diga que isso se trata de uma «falta de respeito com o Judiciário».
Falta de respeito sabemos bem o que é!

Um comentário:

Unknown disse...

kkkk, rapaz tu comentou isso no teu blog