terça-feira, 28 de abril de 2009

CNJ adia definição de trajes para entrar nos Tribunais

Ficou adiada para as próximas sessões plenárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a decisão sobre quais são os trajes adequados para que as pessoas possam entrar nos Tribunais. Na sessão plenária desta terça-feira (28/04), o conselheiro Técio Lins e Silva pediu vistas do Procedimento de Controle Administrativo (PCA nº 2009.10000001233) para estudar melhor o assunto. “Daqui a pouco vai ser necessário criar a Agência Nacional de Regulação do Vestuário”, ironizou o conselheiro.
Até a interrupção do julgamento, quatro conselheiros (Rui Stoco, Mairan Maia, Altino Pedrozo e Antônio Umberto de Souza Junior) já haviam votado com o conselheiro relator, ministro João Oreste Dalazen, pelo indeferimento do pedido do advogado Alex André Smaniotto. O advogado pediu que o CNJ revogasse a portaria da comarca de Vilhena, Rondônia, que restringe o acesso de pessoas ao Fórum em função dos trajes que vestem. Na sessão plenária, os conselheiros Jorge Maurique e Andréa Pachá votaram pelo não conhecimento do pedido.
Pessoa carente - No processo, o advogado alega que o juiz responsável pela Comarca de Vilhena proibiu a entrada de pessoas com calção, shorts e bermudões, como também de bonés e chapéus e que presenciou uma pessoa “extremamente carente” ser impedida de entrar nas dependências do Fórum porque usava bermuda abaixo dos joelhos e camiseta surrada. “Como podemos restringir a entrada de qualquer indivíduo pelas suas vestimentas se elas não infringem a lei?”, indagou o advogado no PCA.
A resposta ao advogado foi dada no voto divergente do conselheiro Paulo Lôbo. Segundo ele, “a Constituição estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. E o magistrado não é legislador”. Segundo o conselheiro Paulo Lôbo, não é razoável que o cidadão seja obrigado a trocar a roupa, que normalmente usa para transitar nos espaços públicos e privados, para ir ao Fórum de sua cidade tomar conhecimento de processos de seu interesse. “Tais proibições, longe de valorizar o Judiciário, o distanciam do cidadão, como local de intermediações às pessoas comuns do povo”, esclarece Paulo Lobo em seu voto.
O conselheiro ministro João Oreste Dalazen fez questão de esclarecer que seu voto não significa “restrição de acesso à Justiça”. Os conselheiros Jorge Maurique e Andréa Pachá, opinaram que o assunto deveria ser tratado pela Corregedoria do Estado. O conselheiro Paulo Lobo citou como exemplo o recente julgamento da demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a entrada, no plenário da Corte, de índios trajando apenas bermudas e cocar.

EF/SR
Agência CNJ de Notícias
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COMENTÁRIO
É particularmente interessante tal questão, muito embora pareça pitoresca, porque presenciei inúmeras vezes o mesmo fato se repetir no prédio do Fórum em que trabalho. Existe tal restrição expressamente afixada na porta do edifício, de modo que se atribui ao segurança a função de decidir (in concreto) quem pode entrar e quem não pode.
Cheguei a presenciar casos em que pessoas bastante pobres se deslocarem do interior (70 km de distância) para audiências no Juizado Especial e serem impedidas de se apresentarem na audiência, acabando por incorrerem em revelia e, consequente, condenação. Obviamente, aquele cidadão do "interior" nunca irá ver justiça naquela sentença. E digo mais, nós Oficiais de Justiça ao cumprirmos o mandado de citação não temos a obrigação de informar que a pessoa deva comparecer de calça e camisa de manga. Também tal conteúdo não se encontra na lei e nem na constituição, então, não há a presunção do seu conhecimento. Trata-se apenas de uma ordem verbal (que já faz parte da nossa tradição, senão da cultura) e que foi materializada em um papel afixado na entrada do prédio. Que validade poderá ser conferida a tal disposição? E mesmo se for possível cogitar a validade, podemos considerar uma questão justa?
Tentarei tocar em alguns pontos que considero particularmente significativos para uma manifestação.
Em primeiro, tal disposição tem natureza típica de um ato administrativo, como é óbvio, e não de um ato jurisdicional. Mas isso não dispensa a presença do atributo da «legalidade». É uma velha máxima do Direito Administrativo (em que pese as exceções) em que diz que "a Administração só pode fazer aquilo que a lei prescreve"; não se trata de uma liberdade negativa. Então se a lei não dispõe diretamente sobre a matéria, não está nela uma autorização para que isso seja admitido.
Então, donde poderíamos extrair sua validade? Um argumento, por certo, é da «salvaguarda dos bons costumes». De fato, não se negue a importância do costume para o direito. A escola histórica de Savigny, que predominou na Alemanha até antes da promulgação do BGB-1900, considerava o direito como a realização de um projeto comunitário, expresso, como diria o mesmo Savigny, na volksgeist. Tal importância da manifestação cultural vemos também no pensamento do Dr. Castanheira Neves, embora sem tanto realce na perspectiva histórica. O caso que se apresenta mostra-nos a importância que ainda tem o costume nos dias de hoje, em que pese tenhamos vivido e superado o auge do iluminismo racionalista.
E justamente por expressar uma regra que está relacionada aos bons costumes é que não posso dizer, a princípio, que a mesma seja de todo mal. Novamente, em minha experiência forense, presenciei mulheres com shorts minúsculos, camisestas de alça e ventre à mostra pretenderem entrar no Fórum. Nesse caso, até acredito que esta regra seja "boa". Mas o interessante é que, mulheres de saia podem entrar (e não importa o tamanho da saia), o que é proibido são shorts, bermudas e camisas sem-manga. Portanto, muito embora essa regra seja "boa" em sua intencionalidade, ela não consegue manifestar-se em concordância com o princípio da igualdade (trata situações de mesma ratio de forma diferente), da publicidade (pois não se pode presumir o conhecimento por todos) e da razoabilidade (prevê uma sanção de bem maior peso do que o fim que pretende resguardar).
Algumas situações engraçadas que presenciei merecem ser citadas, justamente para funcionar como uma etapa desconstrutiva de tal afirmação, não exatamente nos moldes, mas em vista ao que propunha Derrida. Uma, ainda quando nem era estudante de direito, mas estava acompanhando (como intérprete) um grupo de nacionais de Bermudas (não o traje, mas o país), e uma das visitas agendadas era ao Tribunal de Justiça do Piauí. Lá, ao chegarmos, fomos impedidos de entrar porque os estrangeiros trajavam «terno, gravata e bermudas», ou seja, seu traje oficial. Então, foi preciso uma autorização expressa do presidente do Tribunal para que os permitesse adentrar. Outra que presenciei, foi um «transexual, nascido do sexo masculino» vestindo saia, de cabelos longos e batom, que quis adentrar ao Forum, tendo sido impedida(o) pelo segurança. Pois bem, uma mulher pode, mas um «homem» não pode. Não seria um constrangimento indevido na liberdade sexual do indivíduo?
Somados esses eventos, com alguns que presenciei de revelia porque a parte (muito pobre) não possuía nenhum traje «adequado», resta-me a impressão de que essa regra é de certa forma injusta, antes de dizer «ilegal ou inconstitucional». E a considero inconstitucional porque se trata de uma restrição, sim, ao princípio do AMPLO acesso à justiça. Essa amplitude reflete desde o «direito a uma sentença justa e a sua efetivação» ao «direito de demandar», e mais além! Ao acesso físico à instituição judiciária.
E agora para lembrar Robert Alexy, entendo que uma restrição a um direito fundamental (acesso ao judiciário) só poderia ser justificada se e para satisfazer um outro direito fundamental (tenho dificuldades de conceber os «bons costumes» como um direito fundamental, mas é aquele que se nos apresenta). De modo que a restrição de um haverá de ser proporcional à satisfação do outro, multiplicado pelos pesos em concreto e pesos em abstrato. Sei que assim exposta é um tanto quanto difícil de entender (desculpe o humor, mas fico imaginando aquele que ficou impedido de entrar no Fórum porque não possuía nenhuma calça comprida querendo entender o que se passa nos tribunais para decidir se ele pode ou não adentrar no prédio; é um tanto quanto hilário e me/nos faz sentir(mos) pedantes, senão tolos!)
E agora, peço desculpas aos colegas juristas, pois não vou mais detalhar o meu pensamento de forma dogmática, posto que a solução da equação que propus certamente conferirá direito ao pobre senhor constrangido.
E peço também desculpas ao pobre senhor! Porque escondemo-nos atrás da aplicação exegética de leis e regras, outras vezes recorrendo às teorias mais mirabolantes da dogmática jurídica, para contrapor àquele hermenêutica exegética, quando na verdade o que nos falta é o simples «BOM SENSO».
E eu pergunto, é justo permitir que alguém incorra em revelia, impedido de adentrar ao Forum, quando não tenha uma calça comprida? Porque não foi capaz de comprar uma?
Sinceramente, para mim a resposta está claramente dada. E não queria crer que a retirada da norma implicaria obrigatoriamente a «desordem», a «baixaria», ou a «falta de respeito» dentro da instituição judiciária. Não acho minimamente cabível o argumento «e se todos pudessem vir de bermudas?». Primeiro porque advogados e estagiários não iriam de bermudas só porque tal «aviso» não está mais afixado. Segundo porque as pessoas em regra vestem-se em conformidade ao costume. Terceiro, aqueles poucos que iriam de bermuda, expressão nada além do que a sua natureza (ou pobres, ou mais «à vontade») e desafio que se diga que isso se trata de uma «falta de respeito com o Judiciário».
Falta de respeito sabemos bem o que é!

sábado, 25 de abril de 2009

Oficial de Justiça é Assassinado!

Oficial de Justiça é assassinada durante cumprimento de mandado.

Oficial de Justiça é executado com mais de 20 tiros de pistola
Viúva do oficial de justiça assassinado fez reconstituição do caso Retrão
Polícia faz buscas a assassino de oficial de Justiça morto na serra gaúcha
Juarez Preto, de 47 anos, foi assassinado com um tiro no pescoço em Caxias
O oficial de justiça Expedito José de Santana, assassinado ontem na cidade de Esplanada, era inimigo político do ex-prefeito Fernando Gressi e estava com ação na Justiça Comum, por improbidade administrativa contra o presidente da Câmara de Vereadores, Djalma Brito Lima.
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Com a devida vênia para elencar alguns links, é muito fácil de se ver o que anda acontecendo com os nossos serventuários da justiça, muito em especial o «Oficial de Justiça».
De fato, a figura do Oficial de Justiça causa, a um só tempo, alegria e tristeza. Em minha vida profissional consegui perceber esses momentos provocados por meus atos. O executor de mandados é, sem dúvidas, indispensável para a realização da justiça em concreto.
Os juristas concentram o foco de estudo na figura do juiz, em detrimento de todos os outros colaboradores. Dentre estes, os quais a doutrina chama de auxiliares da justiça, destaco o Oficial. Isto porque é ele quem é o responsável direto pela realização das ordens judiciais. É ele quem tem noção do que um despacho, mandado ou ordem significa na vida de cada jurisdicionado. É ele que percebe, por vezes, a injustiça, o excesso ou o deficit das medidas tomadas por reflexão em abstrato do legislador e do juiz.
A função de efetivar ordens judiciais é revestida de enorme nobreza. Por isso, os oficiais de justiça devem empunhar com transparência e senso de justiça o seu ofício. Por mais que uma decisão judicial seja justa, uma atitude injusta do Oficial de Justiça poderá comprometer em todo a axiologia fundamentante daquela decisão. É por isso que advogo no sentido da qualificação de nossos oficiais, para que sejam dotados de conhecimentos filosóficos do significado da prestação jurisdicional.
Alguns órgãos judiciais deram passo nesse sentido, exigindo a formação superior em Direito. Outros ainda acreditam que qualquer um é capaz de cumprir e interpretar ordens judiciais, para que estejam conformes ao senso de justiça e demais princípios constitucionais da prestação jurisdicional.
Fora isso, devemos também refletir sobre que garantias devemos dotar os nossos Oficiais de Justiça para que cumpram seu mister da forma mais correta possível.
Em primeiro lugar, chamo atenção para o seguinte ponto: o oficial é o responsável individual pelo cumprimento de todas as ordens judiciais. Ele é o último elemento da cadeia jurídica e que carrega consigo a tarefa de efetivar as ordens judiciais. Remeto ao exemplo da Oficiala Sandra Regina (primeiro link), um mulher que fora cumprir um mandado de busca e apreensão de uma motocicleta contra um executado que - já possuíndo três passagens pela polícia - a recebeu com 5 cinco tiros, tendo ela vindo a desfalecer no caminho do Hospital. Então pergunto: é assim que nossa sociedade espera que cumpramos as ordens judiciais? É esperando atos de heroísmos extremos por parte dos Oficiais que devemos esperar que a justiça se efetive?
Em menos de três anos de profissão como Oficial já acompanhei vários crimes contra colegas, dentre os quais o mais frequente é o assassinato. Já houve algumas audiências com chefe dos poderes para procurar-se uma solução para tanto, mas até agora não vi implantada nenhuma medida que pudesse minorar tais dificuldades.
Quem não sabe que o Oficial de Justiça exerce um cargo de alta periculosidade? E muitos chegam a dizer que todo aquele que entra no cargo já tem ciência dessa dificuldade. Mas será que nós, como corpo social, vamos permanentemente exigir comportamentos heróicos por parte daqueles que se propõem a efetivação concreta da justiça. Reitero que o Oficial de Justiça é um personagem indispensável no contexto jurídico-social. Sem ele, quem seria o responsável pelo cumprimento das ordens judiciais? Quem seria o responsável pela justiça no caso concreto?
Um judiciário só de juízes seria inútil, por certo. O poder de coação de uma decisão judicial passa, definitivamente, por conferir aos Oficiais de Justiça meios adequados para seu ofício. Obviamente não se pode exigir de um executor de mandados que ele dê sua vida (literalmente).
Temos que pensar em meios de dispor o aparelho judiciário para que confira um mínimo de proteção ao Oficial de Justiça. Por um lado, acredito que a polícia tem um papel importantíssimo. Por outro lado, precisamos pensar em garantias pessoais ao Oficial.
Não queria ver mais colegas serem assassinados!

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Mais uma manifestação de «racismo no futebol»


A torcida da Juventus repete insultos racistas dirigidos a Mario Balotelli, atacante de 18 anos da Inter de Milão, agora durante o jogo contra a Lazio pela Copa da Itália. A torcida da Velha Senhora já havia dirigido os mesmos insultos (“vaffa...” e “figlio di…”. ) durante o jogo contra a Inter, em que o atacante negro marcara um gol.

O dirigente máximo do Inter, Massimo Moratti, lamentou que os cânticos fossem ouvidos «em todo o estádio, com uma convicção tal que parecia que havia orgulho e felicidade em cantá-los». E criticou também os meios de comunicação por terem sido «brandos, para não dizer absolventes» na denúncia do caso.

Antonio Matarrese, presidente da Liga, solidarizou-se por seu lado com a posição de Moratti. «Seria um sinal forte» na luta contra o racismo, defende.

Em que pese a manifestação da sua torcida, a Vecchia Signora, como associação, já reagiu e admitiu o acontecimento, pedindo desculpas. Giovanni Gigli, presidente do clube, publicou um comunicado «em nome da Juventus e da grande maioria dos seus adeptos» condenando «severamente os gritos racistas contra o jogador», salientando não haver «desculpas nem justificações para este tipo de comportamentos.» O presidente acrescentou ainda que o futebol deve «em conjunto, tentar promover uma cultura desportiva fundada no respeito pelo adversário e na luta contra o racismo.»
É, por óbvio, importante ressaltar que não é toda a torcida da «juve» que adotou tal comportamento. Antes do jogo outros fãs na área diretamente em frente da galeria, não-racista, expôs um banner (em preto e branco) com inscrições: "Davids, Seedorf, Sissoko: campioni veri, idoli veri." Como se a dizer que os outros jogadores de cor - não só da Juventus, mas outras equipes como o Milan - são tratados com respeito e admiração pela contribuição que o desporto em campo.
A polícia analisará os vídeos de segurança para tentar identificar os elementos originários da situação.
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Mais uma vez estamos diante de manifestações racistas no futebol, ou nos esportes em geral. Não se trata de apenas meros xingamentos, insultos ou ofensas que sejam dirigidas a um jogador, pelo seu caráter ou comportamento. Mas sim de insultos que encontram a sua gênese, sua força motora em uma questão étnica.
Tais atitudes realçam ainda que, nós homens, ainda não estamos em um estágio civilizacional que possibilite uma convivência pacífica e harmônica entre diferentes povos.
Acredito que a punição da equipe de Turim não reflita o maior senso da justiça, muito embora tenha um papel fundamentalmente importante para exigir uma atitude positiva dos clubes no sentido de prevenir e coibir atitudes racistas. Em verdade, essa não é a melhor resposta que tem que se dar. Isso porque acaba por se punir uma associação que não foi quem proferiu os insultos. Não estou aqui questionando a sua prescindibilidade. Acredito, inclusive, que a mesma deva ser tomada.
Entretanto, não acredito que a única resposta que tenha que ser dada seja a da Justiça Desportiva. Primeiramente porque, muito embora esteja diretamente envolvida com o esporte, estamos realmente diante de uma ofensa aos direitos humanos; um insulto racista que não pode se beneficiar do escudo de não ser julgado pela Justiça Penal.
Mas não quero aqui me precipitar e condenar antecipadamente os torcedores. Porque as vezes incorremos em uma sede para condenar atitudes sem analisá-las da forma com que merecem. Não presenciei o jogo, nem os insultos, de modo que o contato mais direto que tive foi com as reportagem que se limitaram a transcrever parcialemente os insultos: "vaffa..." e "figlio di...". Ressalto, portanto, a ponderação feita pelo técnico da Inter de Milão, José Mourinho, equipe de Balotelli: José Mourinho, técnico do Inter, prefere não dramatizar a questão, centrando o debate nas qualidades do seu jogador: «Não sei se é uma questão de racismo, ou se os adversários se enervam com ele porque é bom, porque marca e faz jogos brilhantes. É um problema deles. No jogo com a Juventus, obviamente que lamento o aparecimento desses cânticos, mas também saliento que não foi a primeira vez que Mario foi visado dessa forma. Até pelas claques visitantes, em São Siro».
A questão merece toda atenção para que se possa atingir uma decisão justa. O primeiro é saber se a ofensa tem teor gramaticalmente racista, o que não parece ser o caso. A segunda é, se embora não contenha uma ofensa gramatical, trate-se de uma ofensa genérica, mas que contém em sua raiz uma motivação decorrente da raça. Nesses casos, há clara manifestação racista e que merece a repreensão jurídica. Mas, em terceiro, precisamos nos questionar se realmente não se trata mesmo de uma ofensa genérica, desprovida do componente racial e que poderia ser atribuída a qualquer jogador. Neste caso trataria-se de uma ofensa individual e não ganharia as repercussões de uma ofensa a humanidade. Por último, é de se ver se junto com as ofensas existiria também um dolo de ofender, denegrir, humilhar ou rebaixar a pessoa, ou se somente possui um animus jocandi próprio das competições desportivas.
Muito embora cada caso mereça uma atenção especial, não podemos vendarmo-nos os olhos para um problema que tem sido recorrente.
De fato, tais declarações, quando providas de cunho racista, merecem repreensão mais intensa pelo direito, entendendo-se este como a expressão cultural-ética de uma sociedade e que reprova certos tipos de conduta - tais, no caso, que ofendem toda a humanidade. A melhor resposta que o direito pode oferecer (no plano jurisdicional) é investigar e punir individualmente aqueles que houverem proferidos tais insultos, bem como (no plano político) instituir medidas para sua prevenção.
Ainda está bem viva a experiência do Holocausto em nossa tradição jurídica e acho que ela tem de servir para algo. Temos que aprender com os momentos de enorme tensão e sujeição da dignidade do homem, e não mais incorrer nos mesmos erros.
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Aproveito para indicar links sobre o assunto:

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Súmulas Vinculantes

De acordo com notícia divulgada no portal eletrônico do Supremo Tribunal Federal, durante o primeiro ano de gestão do ministro-presidente Gilmar Mendes, houve uma redução de 40,9% no total de processos distribuídos na Corte. Gilmar Mendes assumiu a Presidência do Supremo em abril de 2008. De lá até março de 2009, foram distribuídos 56.537 processos na Corte. Entre abril de 2007 e março de 2008, entraram no Supremo 97.435 processos.
Essa redução foi possível por meio da ampla aplicação, nos últimos 12 meses, do filtro da repercussão geral, que permite que o Supremo julgue apenas temas que possuam relevância social, econômica, política ou jurídica para toda a sociedade brasileira.
Outro mecanismo essencial para que o Supremo exerça de forma ampla seu papel constitucional e que vem sendo muito bem explorado desde o ano passado é a súmula vinculante.
Criada ao mesmo tempo que o dispositivo da repercussão geral, a súmula vinculante impede que juízes de outras instâncias decidam de maneira diferente do Supremo nas questões em que a Corte já tenha firmado entendimento definitivo. A eficácia do dispositivo vai além do Judiciário, vinculando também a administração pública.
De abril do ano passado para cá, foram editadas 11 súmulas vinculantes. A maioria foi fruto de decisões em recursos extraordinários julgados a partir do filtro da repercussão geral. Outras foram criadas pela importância do tema decidido pelo Plenário e uma foi editada após o julgamento da Proposta de Súmula Vinculante (PSV) número 1.
Essa classe processual foi criada no ano passado, na gestão do ministro Gilmar Mendes. Desde então, entraram 41 pedidos de Propostas de Súmulas Vinculantes no Supremo. Esse tipo de processo também é totalmente informatizado e todas as PSVs estão disponíveis no portal do STF.
A PSV não prevê somente a criação de súmulas vinculantes, mas também a revisão ou mesmo o cancelamento das já editadas. Por enquanto, somente uma PSV, a de número 13, pede o cancelamento de súmula vinculante editada pelo Supremo. No caso, é a Súmula Vinculante nº 11, que limita o uso de algemas a quando o preso oferecer risco a policiais ou a terceiros.
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Particularmente achei interessante este último comentário sobre a Súmula Vinculante nº 11, justamente por ter trazido a mesma questão para dentro da sala de aula do curso de Mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. No momento, eu tratava sobre o instituto dos assentos (similares das súmulas vinculantes do ordenamento português), os quais foram declarado inconstitucionais pelo acórdão 743/96 do Tribunal Constitucional Português.
Não estou aqui para fazer um paralelo, mas simplemente para ressaltar essa questão que surgiu em meio à discussão. Quando falei de tal súmula, muitos colegas entenderam que se tratava nitidamente de uma interferência da competência reservada ao legislador. Muitos entenderam que o STF haveria estabelecido uma normatização (por sua generalidade e abstração) sobre uma matéria que não estava diretamente subordinada a uma interpretação de lei.
De fato, aí reside uma grande diferença entre o instituto dos «assentos» e as «súmulas vinculantes». Os primeiros, por serem emitidos pelo STJ (Supremo Tribunal de Justiça) estavam subordinados à lei e passíveis de controle de constitucionalidade pelo TC (Tribunal Constitucional). Já as súmulas vinculantes são emitidas pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Isso quer dizer que, como o STF é o guardião da constituição, elas não estão sujeitas a um controle de constitucionalidade por órgão diverso do emissor. Também implica dizer que elas não se restringem a matérias "infralegais", mas também "supra", pois podem dispor sobre matéria constitucionais.
Isso coloca uma situação até certo ponto estranha, e é o que quero chamar a atenção. Ainda bem que confiamos no nosso Tribunal Constitucional e de fato haveremos de reconhecer o mérito de nossos ministros. Mas, precavendo-se, como fez Montesquieu (receio daquele que detenha o poder venha dele abusar), é importante perceber que o Supremo Tribunal Federal possui o poder de dar a última palavra no exercício da função jurisdicional, assim sendo, determinar a execução de atos pela administração pública, bem como o de emitir preceitos normativos com força geral através das súmulas com efeito vinculante (restrita aos tribunais e administração pública).
Põe-se a questão: se o STF abusar de sua competência na emissão de súmulas vinculantes, que instrumentos temos para o seu controle e balanceamento?

sábado, 18 de abril de 2009

O Pacto Republicano e a concepção republicana

Os presidentes dos três Poderes da federação reuniram-se no dia 13 de abril, em Brasília, para a assinatura do II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo. Ao empunhar o léxico Republicano acaba por transmitir a idéia de uma reconstrução das instituições políticas, de forma a aprofundar a densidade democrática pela via da participação do povo nos negócios públicos.
O pacto traz no seu bojo os seguintes objetivos:
I – acesso universal à Justiça, especialmente dos mais necessitados;
II – aprimoramento da prestação jurisdicional, mormente pela efetividade do princípio constitucional da razoável duração do processo e pela prevenção de conflitos;
III – aperfeiçoamento e fortalecimento das instituições de Estado para uma maior efetividade do sistema penal no combate à violência e criminalidade, por meio de políticas de segurança pública combinadas com ações sociais e proteção à dignidade da pessoa humana.
O acesso universal a justiça já se encontra assegurado pela Carta Constitucional de 1988, bem como no Código de Processo Civil. Tal acesso vai desde o direito de acesso à instituição judiciária até a satisfação da pretensão deduzida. Por vezes, não nos damos conta da potência que se encontra neste dispositivo, o qual tem íntima relação com a ideia republicana. O direito de deduzir demandas junto ao Poder Judiciário é também um meio de participação popular democrática e direta. Trata-se de uma oportunidade que se confere a uma pessoa (individual ou coletiva) de mobilizar o aparelho estatal para que se cumpra a justiça. E aqui não me refiro apenas à satisfação dos créditos individuais, mas principalmente aos instrumentos de uma participação popular efetiva no controle e fiscalização de aplicação dos recursos públicos, conservação do patrimônio de todos e realização dos direitos fundamentais (Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Segurança e etc.).
Percebo que, mais do que a consagração dos institutos na ordem jurídica, o que precisamos mais do que tudo é tomarmos todos consciência de que a res publica realmente se trata da «coisa do povo», principalmente quando se trata das populações de baixa renda. Tenho para mim que essa transformação passa pela compreensão democrática das instituições mais simples, num primeiro momento, que possibilite ao cidadão entender sobre conceitos básicos de Teoria do Estado: contribuir, cooperar, gerir, executar e fiscalizar. Acredito que o cidadão poderia ter outros deveres públicos que não somente o de contribuir com tributos. Em verdade, grande parte da população nem chega a contribuir e, pelo contrário, apenas se beneficiam de programas para combate de necessidades primárias.
Não se questiona de modo algum a importância dos programas para famílias de baixa renda conseguirem um rendimento complementar que assegure, ao mínimo, as condições básicas de sobrevivência. Mas não posso negar que tais programas contribuem para a alienação e a perda completa da noção de que o Estado é composto e sustentado por nós. De fato, aquele que só recebe, não terá consciência de fiscalizar para onde estão sendo direcionados os recursos públicos, desde que o seu benefício caia todo mês em sua conta.
Reforço minha crença nas instituições mais simples. Que tais como vislumbrou Rawls, sejam guiadas por princípios de justiça aceitos por homens em cooperação e auto-responsáveis, possam estabelecer deveres individuais de gestão e fiscalização dos recursos públicos.
É possível que o II Pacto Republicano traga algumas vantagens significativas, uma vez que cada poder toma consciência de seu papel para a consecução dos objetivos ali traçados. Ao que toca o Judiciário, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou dez metas nacionais do Judiciário estabelecidas para 2009 no intuito de reduzir as desigualdades entre os diversos segmentos do Judiciário. Entre elas está o compromisso de identificar e julgar todos os processos distribuídos (aos juízes) até 2005. Michel Temer (pelo Legislativo) informou que a Câmara vai cumprir o seu papel no acordo discutindo e votando as matérias elencadas no protocolo assinado. Os projetos selecionados pelo pacto são quase todos nascidos e crescidos no próprio Legislativo. Ao Executivo cumpre promover o fortalecimento da Defensoria Pública e de mecanismos que garantam assistência jurídica integral à população de baixa renda, formas de ampliação do acesso à Justiça, construção de penitenciárias, entre outros.
O pacto republicano seria esta união das diferentes forças políticas (representadas pelos três poderes soberanos) para a construção de instituições confiáveis, dignas da confiança do cidadão comum.
Esta concepção republicana proporciona diversas compreensões, por vezes relacionado à democracia, às vezes com liberalismo, outros com os direitos sociais, e outras tomado simplesmente em seu sentido etimológico de «bem comum». Também, ultimamente, tem sido interpretado pelo senso comum como «respeito às instituições».
De fato a compreensão do sentido de república, para além do seu sentido etimológico (coisa pública), implica pressupor uma série de condições que estabeleçam igualdades formais e materiais, liberdades públicas e condições mínimas de qualidade de vida condizentes com a dignidade da pessoa humana. Isto para que, a partir daí, o homem, através das instituições públicas, possa se manifestar como cidadão, ativo, participativo, consciente da gestão fiscalização do seu «patrimônio público».
Percebo que no Brasil a descrença nos políticos não decorre unicamente pela corrupção, mas na concepção política de um modo geral. Primeiro, a maioria dos homens e mulheres de bem empunham um discurso de afastamento da política. Segundo, porque isto permite que os nossos «eleitos» atuem em conformidade exclusiva com seu próprio interesses particulares, uma vez que não detemos de meios efetivos de controle e fiscalização.
A demanda (ação judicial) ainda é um meio eficaz, mas sua eficácia é postergada para uma reparação. Inclusive, com o Pacto, a demanda ganha mais relevância com a previsão de instituição de Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados e Distrito Federal, com competência para julgar e conciliar causas cíveis de pequeno valor. Mas também precisamos de meios populares de prevenção da aplicação dos recursos públicos e do funcionamento das instituições. De modo que seja possível construir uma comunidade verdadeiramente republicana.
Outro ponto a ressaltar é o fato de que o pacto se apresenta como uma colaboração por parte dos poderes, algo que vai contra o que preconizava Montesquieu, quando desenhou a separação funcional dos poderes. O que há, em verdade, é uma superação do entendimento clássico da teoria, uma vez que é indispensável a harmonização de fins e meios para a realização dos objetivos do Estado. A doutrina separacionista, mesmo que confira garantias de que le pouvoir arret le pouvoir, acaba sendo um entrave na maximização dos direitos fundamentais. Daí a necessidade de harmonia e cooperação. Mas, importante que a competência de cada órgão seja preservada, não havendo interferências significativas de um poder em outro de modo a esvaziar a esfera do outro. Também, tal cooperação não pode se distanciar da concepção republicana, devendo portanto considerar a participação popular (quantificada ou qualificada) na gerência dos interesses públicos. Não sendo assim, não será possível falar em um pacto verdadeiramente republicano.
Por Rostonio Uchôa
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Encontre aqui o texto completo do II Pacto Republicano:

quinta-feira, 16 de abril de 2009

A teoria moral da justiça como equidade de John Rawls

John Rawls, o mais conhecido e celebrado filósofo político norte-americano, falecido aos 81 anos, em 2002, é tido como o principal teórico da democracia liberal dos dias de hoje. O seu grande tratado jurídico-político A Teoria da Justiça, de 1971, o alinhou entre os grandes pensadores sociais do século 20.
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Trata-se de uma análise sucinta da teoria moral utilizada por John Rawls ao desenvolver “Uma Teoria da Justiça”. Estas observações se inserem no item 9, do Capítulo I.

Esta na base da teoria de Rawls uma tradição contratualista, iniciada por Hobbes, Locke e Rousseau e, como os outros, introduz um pressuposto antropológico para a construção dos princípios da justiça. Esse pressuposto antropológico consiste em admitir que os homens são dotados de razão e auto-interessados. Há também uma certa aversão pelo risco. Diante do risco, o ser humano tende a evitá-lo, que pode se chamar de «maximização dos mínimos».

Associa a concepção de justiça a nossa «sensibilidade moral», ou seja, desperta-se no dia-a-dia ao formularmos juízos, que estabelecem os princípios que controlam as nossas forças morais, ou, mais especificamente, o nosso senso de justiça.

Esses juízos hão-de ser ponderados segundo um «equilíbrio refletido». Do ponto de vista da teoria ética, segundo Rawls, a melhor explicação do senso de justiça de uma pessoa não é a que combina com suas opiniões emitidas antes que ela examine qualquer concepção de justiça, mas sim a que coordena os seus juízos em um equilíbrio refletido.

Isso implica saber se a pessoa deve considerar apenas os tipos que em grau maior ou menor correspondem às suas opiniões atuais, salvo discrepâncias secundárias, ou se deve considerar todas as alternativas possíveis com as quais pudesse plausivelmente conformar seus juízos, juntamente com todas as demonstrações filosóficas pertinentes.

Rawls reconhece uma série de dificuldades em se questionar todos os juízos possíveis, e admite que o máximo que se pode fazer é estudar as concepções da justiça que são por nós conhecidas através da tradição da filosofia moral e também outras que temos conhecimento. É praticamente o que acaba por fazer, ao comparar sua teoria da justiça (como equidade) com o utilitarismo, o intuicionismo e o perfeccionismo.

«Juízos ponderados» são simplesmente os que são feitos sob condições favoráveis ao exercício do senso de justiça, e portanto em circunstâncias em que não ocorrem as desculpas e explicações mais comuns para se cometer um erro. Eles se apresentam como aqueles juízos nos quais as nossas qualidades morais têm o mais alto grau de probabilidade de se mostrarem sem distorção. O senso de justiça, para Rawls, deve fazer uma concessão a probabilidade de os juízos ponderados estarem sujeitos a certas irregularidades e distorções, apesar de serem formulados em circunstâncias favoráveis.

Entretanto, admite não ser possível ainda compreender como essas concepções de justiça variam entre si. Sugere então, como um ponto de partida, caracterizar o senso de justiça de uma única pessoa, instruída, ou de um grupo homogéneo de homens. Supõe que todos têm em si mesmos o modelo completo de uma concepção moral.

E é justamente esse homem, ou grupo homogéneo de homens, dotado de moral, situado na «posição original» que concluirá e escolherá os dois princípios da justiça em detrimento de outras concepções tradicionais de justiça – cita como exemplo a da utilidade e da perfeição.

A luz dessas observações, a justiça como equidade pode ser entendida como a afirmação de que os dois princípios anteriormente mencionados seriam escolhidos na posição original em detrimento de outras concepções tradicionais de justiça como, por exemplo, as da utilidade e da perfeição; e de que esses princípios, após uma reflexão, combinariam melhor com nossos juízos ponderados do que essas alternativas identificadas (utilitarismo, intuicionismo e perfeccionismo). Rawls conclui, a «justiça como equidade» nos aproxima mais do ideal filosófico de equilíbrio; mas sem, obviamente, atingi-lo. Afirma que a doutrina contratualista adequadamente elaborada pode preencher essa lacuna. «A justiça como equidade» é um esforço nessa direção.

De fato há de se reconhecer a posição central do estudo de nossas concepções morais substantivas, bem como sua complexidade. Isso implica o fato de que as nossas teorias atuais, conforme aponta Rawls, são primitivas e apresentam defeitos graves. É preciso ser tolerante com as simplificações quando elas revelam e tomam acessíveis os esquemas gerais dos nossos juízos. Reconhece que as teorias se apresentam como um projeto com a pretensão de se aproximar mais do ideal, mas sempre dotados de lacunas em alguns pontos. Por isso as objeções devem ser feitas com cuidado (principalmente na forma de contra-exemplos). Reconhece inclusive que a teoria da justiça como equidade, como todas outras, está errada em algum ponto.

Uma das críticas, inclusivamente, direcionada a esta teoria é que na sua base da teoria há uma pré-compreensão de que a sociedade deve se fundamentar na cooperação. Há uma inserção de certas convicção morais para fundamentar a criação de outros valores morais. Mas não há duvida de que é uma das grandes teorias contemporâneas na filosofia do direito.

Conclui por dizer: “O que é importante é descobrir com que frequência e em que medida está errada.” É preciso saber qual tem a melhor abordagem global. É, pois, uma teoria que se utiliza de simplificações e destinada aos casos mais administráveis.

Vale dizer que os princípios da justiça identificam certas considerações como sendo «moralmente pertinentes» e as regras de prioridade indicam a «precedência apropriada quando elas conflitam entre si», enquanto a concepção da posição original define a idéia subjacente que deve informar as nossas ponderações. Mas sabemos que, para melhor compreesão, é importante efetuar um estudo mais profundo sobre estes conceitos trazidos na obra de Rawls, o que poderá ser feito posteriormente.

Plenário acaba com isonomia salarial entre delegados e defensores públicos do Piauí

Notícias STF quarta-feira - 15 de abril de 2009
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O Supremo Tribunal Federal julgou procedente, na tarde desta quarta-feira (15), a Ação Rescisória 1598. Com isso, desconstituiu a decisão que deu isonomia de vencimentos entre delegados de polícia e defensores públicos do Piauí. Eles haviam conseguido a equiparação dos vencimentos graças ao decidido pelo Tribunal de Justiça do estado num mandado de segurança impetrado por sete policiais civis que buscavam ter o mesmo vencimento dos defensores baseados no princípio da isonomia previsto na Constituição Federal (na antiga redação dos artigos 241 e 135 da Carta, modificada pela Emenda Constitucional 19/98).
O relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, julgou a Ação Rescisória procedente e foi acompanhado pela maioria dos ministros. No julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 171, a Corte já havia firmado entendimento de que a isonomia concedida pela Constituição Federal é ficta, e depende de lei específica para ser aplicada por não ser direta, nem ter ampla eficácia, nem ser de aplicação automática.
“A Corte firmou orientação no sentido da imprescindibilidade de lei que estabeleça a isonomia entre as carreiras jurídicas”, disse Barbosa. Ele lembrou que na época da controvérsia sobre a isonomia salarial das duas carreiras não existia lei ordinária no Piauí que regulamentasse a equiparação de vencimentos entre delegados e defensores.
O ministro citou, ainda, o julgamento do RE 192963, do qual foi relator o ministro aposentado Carlos Velloso, no qual ficou definido que a Constituição Federal não concedeu isonomia direta às carreiras jurídicas e essa isonomia deve ser viabilizada mediante lei.
Critério idêntico vem sendo adotado pelas duas Turmas da Corte em julgamentos semelhantes. “As Turmas já firmaram entendimento de que a Constituição não concedeu isonomia direta entre as denominadas carreiras jurídicas, pois, apesar de tê-la prescrito no artigo 241, sua implementação em decorrência do disposto no artigo 39 (parágrafo 1º) depende de lei específica”, disse o relator.
Joaquim Barbosa também aplicou ao caso a Súmula 339 do Supremo, que diz não caber ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.
O ministro Marco Aurélio acompanhou o relator quanto ao mérito, mas divergiu sobre o pedido de fundo da ação inicial e julgou improcedente o pedido de rescisão. Ele havia desprovido o agravo que levou ao ajuizamento da ação rescisória. Segundo ele, o legislador constituinte deixou explícito que os integrantes da categoria de delegados de polícia de carreira deveriam ter isonomia de vencimentos no antigo artigo 241 da Constituição, reformado na Emenda Constitucional 19/98.
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Tramitação
O caso começou quando sete delegados da Polícia Civil do Piauí impetraram mandado de segurança alegando que a Constituição Federal prevê isonomia de vencimentos dentro da carreira jurídica e que, portanto, deveriam receber o mesmo que os membros da Defensoria Pública estadual.
O Tribunal de Justiça do estado reconheceu a isonomia como direito dos delegados.
Insatisfeito, o estado interpôs Recurso Extraordinário ao Supremo contra a decisão do TJ, mas o pedido foi arquivado. Por causa disso, o Piauí interpôs agravo, desprovido pelo ministro Marco Aurélio. Foi então protocolada a ação rescisória, agora provida pelo Plenário.
MG/LF
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fonte: www.stf.jus.br

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Precaução e Prevenção como princípio das Políticas de Segurança Pública

Trecho de paper. Trabalho elaborado por Rostonio Uchôa Lima Oliveira e construído com o objetivo de compor a avaliação semestral do Curso de Mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na cadeira “Direitos Fundamentais”, lecionada pelo prof. Dr. José Joaquim Gomes Canotilho, no período de 2008/2009

Se por um lado reconheceu-se que não houve ofensa direta ao núcleo essencial dos direitos à proteção, de outro reconhece-se que este dever de proteção cada vez mais vai alargando o seu significado, passando a contemplar situações antes não previstas. É um devenir impulsionado pela necessidade cada vez maior da «eficiência do aparelho estatal». Este alargamento exemplifica a forma de «expansão vertical», na qual importa a profundidade/amplitude com que são entendidos os direitos fundamentais.
Portanto, se numa concepção liberal, o direito à proteção só contemplava a esfera subjetiva do indivíduo face à intromissão do Estado, hoje já é possível vislumbrar a aplicação de alguns institutos típicos de direito ambiental na seara do direito penal e administrativo. Por certo, o Direito Ambiental é um Direito Administrativo em sua raiz, entretanto a especificidade do seu objeto trouxeram novos parâmetros de proteção, que são os princípios da «prevenção e precaução».
O princípio da precaução se constitui no principal norteador das políticas ambientais, à medida que este se reporta à função primordial de evitar os riscos e a ocorrência dos danos ambientais.[1] Enquanto no princípio da prevenção trabalha-se com riscos potenciais, o da precaução tem sua máxima aplicação em casos de dúvida. Em decorrência deste, Maria Alexandra Aragão chega a falar de uma espécie de princípio «in dubio pro ambiente».
Analisando-se os institutos jurídicos sob este espectro evolutivo, projeta-se a influência desses princípios no âmbito das políticas públicas de segurança e combate ao crime, inclusive se seria possível a utilização do princípio «in dubio pro vítima» para a reparação das vítimas da criminalidade [2], o que acaba por ser um desafio para este trabalho.
Parte-se da idéia de que não se pode ficar preso a uma concepção obsoleta dos direitos à proteção, mormente a segurança, já não mais sendo suficiente a idéia de Estado punitivo e repressor das condutas criminosas, pois desta forma não estaria dando mínima eficácia aos direitos fundamentais. É, sem dúvida, esperada uma atuação preventiva por parte do poder público no combate à criminalidade e à violação dos direitos humanos. Mais adiante, é perfeitamente concebível a idéia de precaução como princípio orientador das políticas públicas de segurança, uma vez que os eventos criminosos são incertos e nem sempre realizáveis, exige uma atuação policial precavida, com o objetivo de dar maior efetividade ao direito à segurança. É o caso da necessidade de comunicação à autoridade competente para a realização de uma reunião pacífica em praça pública. Se é pacífica, não é possível falar de previsibilidade de violência, mas sim de precaução.
Não se está aqui para defender que o risco legitimador dos princípios da precaução e da prevenção, possa ser invocado para, conforme o professor Gomes Canotilho, combater as “organizações de risco” com o fundamento na idéia de segurança e defesa dos cidadãos.[3] Assim como ele, concorda-se que o princípio da precaução e da prevenção, hoje erguidos a princípios constitucionais e jus-internacionais estruturantes do direito ao ambiente e à qualidade de vida, não correspondem à antecipação da tutela através da formatação de crimes de perigo abstrato, de crimes de perigo hipotético e de crimes de tentativa.
De forma mais clara, defende-se que a utilização destes princípios não deva servir para a prática de mais ofensas aos direitos fundamentais, mas sim que venha trazer um novo aspecto para o amparo das vítimas da criminalidade e orientação das políticas de segurança pública.
Admitida a jurisdicidade destes princípios dentro do âmbito das políticas de segurança pública, questiona se estes são correlatos à possibilidade de responsabilização do Estado pela violação do dever de proteção com base na prevenção e precaução. É possível atribuir uma indenização ao particular vítima de crime cometido por terceiro quando o Estado falha em prevenir ou precaver a criminalidade?
Conseguir estabelecer o nexo dessa relação sem comprometer o orçamento estatal é, sem dúvidas, um grande avanço para a doutrina relativa ao direito à segurança, mas principalmente para a realização concreta da justiça no que diz respeito ao amparo das vítimas da criminalidade.
A questão fora lançada sem grandes pretensões de apresentar as respostas, mas sim buscando abordar as questões envolvidas. Primeiramente, constata-se uma evolução vertical dos direitos humanos, e que também pode se observada nos direitos de proteção. Este movimento evolutivo ainda não cessou e continua paulatinamente aprofundando-se e abrangendo situações cada vez mais. Percebido isso, não é de se admirar a possibilidade do direito à segurança incorporar em significado semântico-jurídico também os princípios da prevenção e precaução, não unicamente como forma de orientação das políticas públicas, mas efetivamente da proteção jurisdicional.
Quanto ao caso que se propôs estudar, é importante perceber que um dos motivos que fundamentaram a decisão foi exatamente o fato da polícia ter ciência de reiteradas práticas criminosas em certo local e não tomar atitude no sentido de combatê-la. Este motivo repousa sua fundamentação jurídica justamente no princípio da prevenção, aplicado às práticas criminosas. O interessante, em tal caso, não é concluir que o princípio da prevenção deve ser aplicado às políticas de segurança pública, mas sim que o mesmo fora aplicado jurisdicionalmente para atribuir direito ao particular face a falha em sua concretização.
O princípio da precaução parece corresponder mais com a idéia de omissão genérica, ou seja, aquela em que o Estado não estava por lei especificamente obrigado a agir e nem mesmo as circunstâncias fáticas geraram esta responsabilidade. Nesta compreensão, o princípio da precaução ainda não é, por si só, suficiente para gerar a obrigações de reparação.
[1] COLOMBO, Silvana Brendler. O principio da precaução no Direito Ambiental . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 488, 7 nov. 2004. Disponível em: . Acesso em: 26 dez. 2008.
[2] ARAGÃO, Maria Alexandra. Sumários desenvolvidos. A renovação exológica do Direito do Ambiente. Ano lectivo 2008-2009. 2º ciclo. p. 62.
[3] Ações típicas do «direito penal do inimigo», a qual não é advogada nessa obra. Ver também GOMES CANOTILHO, J.J. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra editora, 2008. p. 241.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR VIOLAÇÃO AOS DEVERES FUNDAMENTAIS DE PROTEÇÃO

Trabalho elaborado por Rostonio Uchôa Lima Oliveira e construído com o objetivo de compor a avaliação semestral do Curso de Mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na cadeira “Direitos Fundamentais”, lecionada pelo prof. Dr. José Joaquim Gomes Canotilho, no período de 2008/2009.
O paper tomou por base a decisão do Acórdão STA 223/2008 do STF (informativo 502)
2. Os Deveres Fundamentais de Proteção
Ultrapassada a fase anterior onde se procurou lançar a intriga, tem-se agora que decidir por qual caminho percorrer. Dentre os leques que se abriam, optou-se por analisar a decisão dentro do âmbito do Direito Constitucional e, mais especificamente, dos deveres fundamentais de proteção.
Cabe verificar se a assertiva de que o direito à segurança gera para o Estado um dever de proteção fundamental é ou não verdadeira. O primeiro momento impõe conhecer o substrato legal e constitucional em que se trabalha. É preciso que a constituição reconheça o direito à segurança como direito fundamental e que atribua esta função/dever ao Estado.
Como exemplo disso, a Constituição Federal do Brasil afirma em seu Art. 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...). Logo em seguida, no Art. 6o inclui o direito à segurança dentro dos direitos sociais ao afirmar: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Até então é possível afirmar que a segurança integra o rol dos direitos fundamentais elencados na Constituição Brasileira, o que já era suficiente para determinar um dever genérico para o Estado, já que esse tem a função precípua de realizar direitos fundamentais.
Sem economizar palavras, no título da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, a Constituição Brasileira de 1988 - CFB apresenta o artigo 144 com a seguinte redação: a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (...). Acaba por positivar uma conclusão que já poderia ser tomada dedutivamente partindo do direito fundamental à segurança. É, portanto, possível falar em um dever fundamental de segurança correlato.[1]
Não em sentido diverso, a Constituição da República Portuguesa de 1976 – CRP, no Capítulo I do Título II – Direitos, liberdade e garantias pessoais – traz em seu artigo 27, n.°1 que “todos têm direito à liberdade e à segurança”. Ademais, define no art. 9° que são tarefas fundamentais do Estado, alínea ‘b’, “garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático”. E por fim dispõe no artigo 22°: O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
Dada a vênia para colacionar os dispositivos constitucionais relacionados ao tema, cumpre perceber que a segurança pública é uma tarefa que o Estado avocou para si, acreditado pelos cidadãos, e, por isso, é possível incluí-la como um dever fundamental de proteção. A segurança pública não é tarefa recente do Estado, por óbvio; mas os meios e a forma como o Estado a executa, antes ressalvados do controle jurisdicional por ser afeta unicamente à função executiva, agora passa a ser posta em cheque.
O Supremo Tribunal Federal – STF brasileiro, entendia que, muito embora a segurança pública fosse dever do Estado, isso não implicava dizer que a ocorrência de qualquer crime acarrete a responsabilidade objetiva dele, quando decidiu o Agravo Regimental n° 239107[2], de forma unânime, excluindo a responsabilidade do Estado e reconhecendo a ocorrência de culpa do estabelecimento bancário onde havia acontecido o crime. Inexistiria, pois, no caso, a alegada ofensa frontal ao artigo 144 da CFB, transcrito alhures.
A mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal brasileiro chama atenção porque, ao que se percebe, os dispositivos constitucionais em causa em nada se alteraram, de modo a não ser esta a razão desta mudança de entendimento; antes sim, é possível verificar uma evolução na compreensão da eficácia dos direitos fundamentais e dos deveres fundamentais de proteção.
Os direitos de proteção passaram a tomar espaço autonomamente na jurisprudência e na doutrina após uma série de evoluções no âmbito protegido pelos direitos fundamentais. É por isso que se faz necessário inseri-los dentro de seu contexto jurídico-dogmático.

2.1. Localização tópica: Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais
É sensível o processo de expansão dos direitos fundamentais, tanto quando cumula novas gerações de direito – expansão horizontal –, quanto na profundidade em que os mesmos são compreendidos – expansão vertical. Segundo Benedita Mac Crorie, o conteúdo enriquece-se constantemente, ao ponto que se descobre novas possibilidades de penetração destes direitos, novos cenários onde se considera que podem operar, graça à sua vis expansiva.[3] No constitucionalismo liberal, os direitos fundamentais eram encarados somente sob o enfoque subjetivo, elencando as posições que o indivíduo poderia exigir uma limitação ao Estado.[4] Atualmente, entende-se que a tutela dos direitos fundamentais não seria completa se não pudesse ser estendida às ofensas causadas entre particulares, ou quando o Estado atua no âmbito do direito privado.[5] Muito embora o trabalho não permita uma incursão histórico-evolutiva, é impossível deixar de reconhecer o papel exercido por juristas desde Carl Schmitt, Martin Wolff, Rudolf Smend[6] – responsáveis pelas primeiras fissuras na concepção liberal-individualista dos direitos fundamentais, passando por Robert Alexy, Konrad Hesse, Ronald Dworkin, sem esquecer os ilustres lusófonos, J.J. Gomes Canotilho, Ingo Sarlet e J.C. Vieira de Andrade.[7]
Conforme a proposta lançada, pretende-se estudar os deveres/direitos de proteção dentro de uma dimensão objetiva dos direitos fundamentais, e não sob o enfoque do direito penal, administrativo ou das políticas de segurança pública. Mas o que se entende por dimensão de direitos fundamentais? O Grande Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido Figueiredo diz que ‘dimensão’ significa extensão em qualquer sentido, medida, tamanho. Já conforme o Dicionário Michaelis, ‘dimensão’ significa cada um dos elementos ou fatores que constituem uma personalidade ou entidade completas. Mas no que concerne à epistemologia específica do Direito, a questão sugere dúvidas, justamente pelo fato do direito não poder ser compreendido por uma equação exata, conceito intrinsecamente ligado ao de dimensão. Assim, quando se fala em ‘dimensão de direitos’ não se pode ter em mente algo mensurável e perfeitamente palpável. O professor Vieira de Andrade aponta uma alternativa e que se sintetiza na perspectiva jurídica substantiva, onde dimensão seria o estudo do ‘conteúdo e o alcance’ desses direitos.[8]
O próximo passo a dar, depende da distinção do enfoque sob o qual a questão é abordada. Um, típico das ciências matemáticos-naturais, que não é o caso, e o outro das ciências do espírito. Isso porque nas ciências do espírito (na qual o Direito está incluído) nota-se que na relação entre sujeito e objeto, o sujeito assume um papel muito mais importante do que nas ciências típicas da natureza.[9] Estudar a «dimensão subjetiva» é observar a relação sob o enfoque do sujeito. Assim, estudar a «objetiva» seria estudá-la sob perspectiva do objeto. Entretanto essa dicotomia subjetivo/objetivo não se encaixa perfeitamente na estruturação geral das relações, que também se aplica à jurídica. Por isso é muito complicado falar de dimensão objetiva de direitos e esquecer-se completamente do sujeito.
Tem-se convencionado que a perspectiva objetiva[10] é aquela não enfoca a situação do sujeito, englobando todos os efeitos a partir daí gerados. Muito embora a idéia de direito subjetivo ocupe a posição central do estudo dos direitos fundamentais, é patente que ela não abarca todas as conseqüências jurídicas deles extraídas e a relevância jurídica dos preceitos constitucionais atinentes a esta matéria.[11] A «dimensão objetiva» dos direitos fundamentais ocupa, a contrario sensu, esta função residual não contemplada pelos direitos subjetivos. Como diz o professor Vieira de Andrade, “é precisamente a esses restantes efeitos, a essa mais-valia jurídica que se pode dar o nome de dimensão objectiva, que se manifesta, quer em sentido valorativo ou funcional, quer em sentido estrutural” [12] e que Konrad Hesse vem colocá-la como a “base da ordem jurídica da coletividade”[13].
Extrai-se essa dimensão objetiva quando, ao se desenhar o Direito Constitucional objetivo, determina-se ao poder público, principalmente, uma série de deveres e atribuições com a função precípua de proteger genericamente os direitos fundamentais, mas sem atribuir aos indivíduos direitos subjetivos contra o Estado. E não basta que o poder público se abstenha de violar tais direitos positivados, é necessário que atue no sentido de os proteger e atuar ativamente contra agressões e ameaças provenientes de terceiros.[14]
Daniel Sarmento afirma que essa dimensão objetiva não se limita a irradiar efeitos somente na esfera estatal, mas a compreende numa perspectiva comunitária, donde conclui que é dever de toda a comunidade – através dos instrumentos processuais pertinentes, espaço público, ONG’s, outras entidades e também pelo exercício responsável do sufrágio.[15] Essa elasticidade subjetiva da dimensão objetiva merece um estudo mais acurado sobre sua juridicidade, pois não se sabe até que ponto é possível haver uma exigibilidade judicial, ou atua apenas de forma dirigente[16]. Entretanto tal perspectiva não será objeto desse estudo.
É justamente dentro deste espaço mais resguardado da teoria dos direitos fundamentais – a dimensão objetiva – que têm lugar os direitos à proteção. Para poder alocar os direitos à proteção dentro da dimensão objetiva da norma fundamental é, primeiramente, necessário distingui-los de outro conceito bem próximo – direito à defesa. Este está ligado à limitação liberal do Estado, conferindo ao particular um direito subjetivo de exigir uma atitude negativa em sua esfera individual – pretende que o Estado não ofenda. Os direitos à proteção, por outro lado, exigem uma prestação positiva do Estado, para que não permita que haja uma ofensa. A teoria dos deveres de proteção parte da distinção entre direitos fundamentais enquanto proibições de intervenção ou direitos de defesa em relação ao Estado e direitos fundamentais enquanto imperativos de tutela ou deveres de proteção (Schutzpflichten).[17]
É o que se verá mais a fundo no próximo tópico.

2.2. Considerações sobre os Deveres Fundamentais de Proteção
Feita a inserção dogmática dos direitos e deveres de proteção no âmbito da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, cabe, agora, defini-lo e caracterizá-lo, para depois retornar à intriga lançada.
Compreende-se os direitos fundamentais como ‘princípios objetivos que legitimam a idéia de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do próprio Poder Público (Abwehrrecht), mas também a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht des Staats).[18] A primeira tem a ver com a concepção liberal; a segunda já com a dimensão objetiva, na qual se inclui os deveres e direitos à proteção.
Os deveres de proteção dos direitos fundamentais por parte do Estado assumiram maior relevo, designadamente perante terceiros. Conforme a lição de Vieira de Andrade, “a vinculação dos poderes estaduais aos direitos fundamentais não se limitaria ao cumprimento do dever principal respectivo (de abstenção, ou ainda de prestação ou de garantia da participação, conforme o tipo de direito do particular), antes implicaria o dever de promoção e de protecção dos direitos perante quaisquer ameaças, afim de assegurar a sua efectividade.”[19]
Dentro dos deveres de proteção, isola-se, para efeitos deste estudo, o dever de proteção em relação a fato de terceiro. Estudar-se-á, portanto, os deveres - e os direitos decorrentes – de proteção por parte do Estado quando um terceiro particular ofende um direito fundamental tutelado pela constituição.
É possível distinguir os seguintes elementos dos Direitos de Proteção:
2.2.1.Objeto. De forma simplista, compreende-se os direitos de proteção como mandados para proteger ou promover algo. É uma prestação positiva por parte do Estado que visa a proteger os direitos fundamentais através da inibição da violação destes pelo particular. A prestação positiva pode consistir em uma normatização, regulação, prestação de serviços – específicos e/ou genéricos-, concessão de benefícios.
A violação que se procura evitar poderia ter como agente o Estado ou um particular. Quando o próprio estado é que é o violador, estar-se diante dos direitos de defesa, característicos do Estado liberal, em que este era visto como o inimigo número um do cidadão, precisando de limites. Direitos de defesa, portanto, são ações negativas, que o Estado se abstenha de intervir.[20] Já quando o violador é um particular, resta para o Estado intervir de modo a evitar o evento danoso. Esta violação pode decorrer de um ato bilateral – como é o caso dos contratos e das relações de consumo- ou também de um ato unilateral, que tem a ver com o exercício do arbítrio. Também é possível afirmar que a ofensa ao direito fundamental pode ser ilícita, quando ofende diretamente ao texto da lei; como também pode ocorrer na esfera privada, não tipificada como ilícita pela lei – num vácuo legislativo. No primeiro caso a ofensa é clara, pois se ofende a lei, ofende a um direito fundamental por ela regulado – ofensa mediata[21]. No segundo, os direitos fundamentais servem de parâmetro para avaliar se a ‘liberdade’ não regulada/tipificada lesa ou não diretamente os direitos fundamentais – ofensa imediata.
No tocante ao acórdão discutido[22], a ofensa ao direito fundamental – integridade física – é ocasionada diretamente pelo particular. Trata-se, pois, de uma ofensa mediata, uma vez que o direito penal tipifica como crime a conduta agressora. Ao Estado é atribuída a omissão a um ‘dever de proteção’ que deriva da dimensão objetiva da norma constitucional e que perpassa desde a atividade legislativa, instituição de policiamento ostensivo, punibilidade, até uma responsabilidade com a vítima.
2.2.2.Elemento teleológico. A admissão de um elemento teleológico acaba por reconhecer que o dever de proteção não tem natureza meramente normativa, mas visa a cumprir uma finalidade num plano que diz respeito à vida humana em sociedade (social, cultural, antropológico, psicológico, etc). Entende-se que os deveres de proteção objetivam reforçar a eficácia dos direitos fundamentais. É justamente nessa dimensão que se permite que uma comunidade encontre o seu optimum garantístico, uma vez que a dimensão liberal apenas garante uma não intervenção. Através dos deveres de proteção o Estado atua positivamente para a viabilização dos direitos fundamentais.
2.2.3.Sujeitos. Esta questão passa pela problemática da titularidade do direito/dever de proteção. Quanto ao dever, pode-se cogitar duas titularidades – do Estado e Particular. O Estado é, por certo, o titular primeiro do dever de proteção em relação aos direitos fundamentais, que deriva desde sua raiz liberal. Entretanto, o particular também é visto como titular de deveres de proteção, na esfera privada. É o que a doutrina convencionou a chamar de «eficácia horizontal dos direitos fundamentais», mas que se prefere, segundo orientação do professor Gomes Canotilho, chamá-la de “eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares”.
Quanto ao direito à proteção, a contrario sensu, o titular primeiro é o particular, que o exerce face ao Estado e aos outros particulares. Quanto à titularidade estatal, já é mais difícil vislumbrá-la. Muito embora possa se falar que ele exerce a pretensão punitiva – juspuniendi -, donde se fala em direito subjetivo de punição, na verdade, não se trata exatamente de um direito subjetivo, porque não existe uma faculdade punitiva, é mais um dever de punir.
No caso analisado, encontra-se os seguintes sujeitos: o particular – titular do direito de proteção; o Estado – titular do dever de proteção; o terceiro particular – violador de direito fundamental.
É nítida a violação do terceiro particular, visto que ele é o causador direto do dano. Quanto ao Estado, a violação ocorre por falha ou omissão no dever de proteção. A diferença encontra-se no fato de que a conduta do terceiro particular é vedada por lei, enquanto a conduta esperada do Estado, muito embora não esteja tipificada, é estimulada pela lei e pela Constituição. Sob a ótica do particular, tem-se na verdade, não um dever de proteção, mas sim uma limitação de conduta, característica dos direitos de defesa, na medida em que o legislador demarca cada esfera individual, essencial à vida em sociedade e que não podem ser violadas. Acaba-se, nesse momento, por reconhecer, portanto, a responsabilidade Estatal. É o que diz Robert Alexy, quando reconhece que o Estado tem um certo tipo de responsabilidade por determinadas ações de um cidadão em relação ao outro, justamente naquelas que intervém na esfera privada em bens de direitos fundamentais como a vida, a liberdade, a propriedade.[23]
2.2.4.Elemento normativo. Para de falar de um dever fundamental é preciso reconhecer uma juridicidade do bem jurídico tutelado. É o reconhecimento pelo ordenamento jurídico da fundamentalidade do bem jurídico e do dever de proteção.
Dentro da análise proposta, faz-se indispensável que os deveres de proteção sejam positivamente vigentes, muito embora não se restrinja ao ordenamento positivo brasileiro. Alhures exemplificou-se com os dispositivos constitucionais brasileiros e português, os quais servem de referência para a compreensão normativa desses deveres, para depois, indutivamente, compreender a generalidade de situações semelhantes.
Essa normatividade pode decorrer do reconhecimento no próprio texto constitucional[24]; não excluído pela constituição[25]; ou definido em tratados internacionais e que a constituição atribua fundamentalidade[26].
Além do reconhecimento constitucional, o bem jurídico pode ainda vir regulamentado por lei ou atos administrativos normativos, o que não excluirá, ipso facto, a sua fundamentalidade. É o que acontece com a segurança pública e a integridade física, deveres e direitos fundamentais inseridos no texto magno e que recebem regulamentação hierarquicamente inferior.
2.2.5.Exigibilidade. Não é possível compreender a exigibilidade como um elemento, mas sim como uma característica (atributo) que merece uma atenção especial. Esse aspecto se aproxima do ponto fulcral de toda a problemática, pois irá questionar, antes de tudo, sobre a natureza do «direito à proteção». É possível exigi-lo judicialmente? Como se vê, não é possível se arriscar numa resposta imediata sem vencer a análise sobre a natureza do direito/dever à proteção.
Começar-se-á por questionar se existe uma correlação entre ‘dever de proteção’ e ‘direito à proteção’. Para não correr o risco de uma generalização indevida, buscar-se-á a resposta no que tange somente ao caso dado. Pois bem, existe, de certo, um dever de proteção do Estado e que importa em prestações positivas no sentido de garantir a segurança da população, o qual está inserto no bojo da Constituição Federal brasileira. Esta, no mesmo dispositivo, afirma que a segurança – que é dever do Estado – “é direito de todos.” Coexistem um dever e um direito no que tange à segurança e é possível conceber que entre eles haja uma correlação. Entretanto, a questão se torna pantanosa quando questiona: vindo um particular individualmente exigir o seu direito de segurança, é o Estado devedor de alguma prestação individualizada, ou atua conforme uma política pública de segurança?
Entendendo-se o direito à proteção – in casu, segurança – como um «dispositivo dirigente», que visa a orientar as políticas públicas de segurança para alcançar o máximo de eficácia, numa concepção puramente objetiva, não é possível imaginar sua exigibilidade individual pelo sujeito. Não há uma correlação subjetiva, portantoo dever de proteção não gera para o particular um direito que possa ser demandado judicialmente. Esta exigibilidade se daria no campo da política, através de manifestações públicas e sociais, mas não conferiria ‘ação’ ao particular, de modo que transbordaria ao campo do Direito. Compreendidos dessa forma, os direitos e deveres de proteção escorreriam por entre os dedos da ciência do Direito e não teriam relevância jurídica, se não apenas como parâmetros de atuação política, perdendo consideravelmente sua capacidade de eficácia, se uma vez não exigíveis. Nesse sentido, João José Nunes Abrantes entende que o dever de proteção é de um dever geral, decorrente do princípio do Estado de Direito e do monopólio estadual do uso da autoridade e da força legítima, uma vez que os particulares, salvo situações excepcionais, só podem evitar defender-se das agressões dos seus direitos por outros particulares se os poderes públicos proibirem, prevenirem ou reprimirem tais ofensas.[27]
Esta concepção se coaduna com a compreensão liberal de Estado, cujos os ideólogos se apoiam nas premissas sumariamente elencadas pelo professor Gomes Canotilho: “a) os direitos sociais não são verdadeiros direitos porque não possuem a dignidade de direitos subjetivos; b) as normas consagradoras desses direitos são normas programáticas que, em rigor, não deveriam estar no texto constitucional, pois as suas concretizações dependem das políticas dos órgãos políticos legitimados para as desenvolver; c) os bens protegidos por essas normas são, em primeira linha, bens privados, cuja proteção só excepcionalmente deve ser confiada as entidades públicas.”[28]
É algo semelhante ao exemplo da proteção aduaneira de Jhering utilizado por Robert Alexy justamente ao tratar dos direitos fundamentais como direitos subjetivos: “a lei que, no interesse de alguns ramos industriais, introduz proteções aduaneiras beneficia os fabricantes e os promove e protege em sua atividade negocial, mas apesar disso, não confere a eles nenhum direito” (…) o que existe aqui é um simples «efeito reflexo», uma relação que tem enorme semelhança com o direito e que, contudo, deve ser com ainda mais cuidado dele apartada.”[29] O certo é que toda a ação do Estado se vale do direito para ganhar forma e pode ser, então, que o direito de proteção relacionado à segurança seja somente um «efeito reflexo» de uma função estatal de cuidar da segurança pública, mas não um direito subjetivo tecnicamente falando.
De outro modo é quando se compreende que o direito à proteção possui natureza de direito subjetivo. Ou seja, diante do direito objetivo, acontecendo um fato violador do direito fundamental, gera para o particular um direito subjetivo fundamental. Poderia, então, o particular acionar o Estado para que este promovesse a proteção ao bem jurídico ofendido. Segundo Robert Alexy, por «direitos à proteção» devem ser entendidos os direitos do titular de direitos fundamentais em face do Estado a que este o proteja contra intervenções de terceiros.[30] Acontece que, como já havia alertado o autor acima, essa subjetividade é mais perceptível nos direitos de defesa, quando se tipifica uma conduta que não pode ser realizada. Nos casos dos direitos à proteção não há uma tipicidade das condutas possíveis do Estado. São várias as maneiras que ele pode atuar no sentido de evitar que aconteçam violações de direitos fundamentais. O mesmo autor apresenta um exemplo que se encaixa com perfeição ao caso analisado: “assim é que a proibição de matar implica, ao menos prima facie, a proibição de qualquer ação de matar; já a obrigação de salvar não implica toda e qualquer ação de salvar.”[31] Há, sem dúvida, uma ampla discricionariedade de como o Estado irá atuar para proteger os direitos fundamentais.
Percebe-se que nem uma e nem outra concepção pacifica perfeitamente o assunto. Da mesma maneira os tribunais constitucionais têm vacilado, uma hora tendentes ao dirigismo[32] e outra ao subjetivismo. [33] [34]
Propõe-se, sem maiores pretensões, analisar a viabilidade uma natureza «mista» ou «metamórfica» dos direitos à proteção. Partir-se-ia da compreensão de que os direitos à proteção são dotados de duas características aparentemente inconciliáveis – subjetividade e discricionariedade estatal. Por uma teoria mista, entende-se que o direito à proteção apresenta concomitantemente duas dimensões, uma subjetiva e outra dirigente. Pela metamórfica, o direito à proteção poderia se manifestar uma vez de forma dirigente e outra conferindo direitos subjetivos.
De imediato salta aos olhos a idéia antitética de uma subjetivização de uma dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Mas é justamente aqui onde se encontra a chave de toda questão. Buscar o justo termo entre uma norma de direito à proteção que atua como dirigente da ação estatal e uma que confere direitos subjetivos à particulares lesados, sem cair no casuísmo judicante.
Tende-se a imaginar que o direito de proteção é composto de uma parte contigente e que o estado pode dispor através uma maior ou menor atuação, e isso não implica em ofensa ao direito fundamental. Por outro lado, também vislumbra uma parte intangível, em que a sua não defesa implica em ofensa direta aos direitos fundamentais, em que o Estado é obrigado a agir positivamente para se alcançar uma situação condigna. É impossível, entretanto, sair desta penumbra jurídica sem recorrer ao conceito de núcleo essencial dos direitos fundamentais, que será objeto de estudo logo adiante.
2.2.5.1.Responsabilidade do Estado por Omissão. Outra opção, constatada a violação dos direitos fundamentais, é avaliar sob a ótica da Responsabilidade do Estado através da falta do serviço ou de uma omissão responsável. Quando se falar de violação do dever de proteção, está, na verdade, falando de duas violações. A primeira ocorre quando o terceiro particular, em uma ação direta, agride a esfera jurídica de liberdade da vítima; a segunda quando o Estado, titular do dever de proteger, permite que isso aconteça de forma omissiva. A Suprema Corte brasileira já decidiu que não é qualquer omissão estatal em que a responsabilidade estatal é subjetiva; imprescinde da demonstração de culpa ou dolo, algumas podem assumir «natureza objetiva», conforme o caso. A omissão juridicamente relevante se apresenta sob duas formas: omissão genérica e omissão específica. A doutrina tradicional tende a reconhecer que, em se tratando de omissão genérica, a responsabilidade é subjetiva; enquanto para a omissão específica é objetiva.[35]
Mas em que consiste essa omissão específica do dever de proteção? É certo que o Estado tem o dever de garantir a segurança dentro do território e, sem especificar as condições que ocorrem, um crime cometido por um particular contra outro, sem que a polícia tenha tido condições de saber ou prevenir, aponta para uma omissão genérica.
Entretanto, quando existe uma «normatização» orientando uma determinada atuação do aparelho estatal e este se omite, é possível ver aqui a «omissão específica». Nesse modo, vê-se que a exigibilidade do direito de proteção ocorre de forma mediata. Mas não foi isso que ocorreu no caso sob análise. Não havia uma norma específica, naquele caso, que distinguisse o crime objeto do STA 223 – STF, de outros crimes acontecidos na mesma cidade e que não mereceram o mesmo amparo judicial. Assim, é possível crer que os fatos concretos podem gerar um dever específico de atuação. A Suprema Corte entendeu que no caso “restaria configurada uma grave omissão, permanente e reiterada, por parte do Estado de Pernambuco, por intermédio de suas corporações militares, notadamente por parte da polícia militar, em prestar o adequado serviço de policiamento ostensivo, nos locais notoriamente passíveis de práticas criminosas violentas, o que também ocorreria em diversos outros Estados da Federação.” Daí pode se extrair, agora já com receios de incorrer em casuísmos jurídicos, que o conhecimento pelo Estado da reiterada ocorrência de crimes em certo local gera para ele o dever específico de agir. Obviamente, tal tarefa é vedada ao particular, sendo incumbência exclusiva do Estado o uso da força física para a repressão da criminalidade. Dessa forma, se é levado a crer que também os pressupostos fáticos são capazes de enquadrar uma omissão como específica, mesmo que não haja uma lei específica determinando a prática de certa conduta, mas que haja o dever genérico de proteção.[36]
A doutrina ainda não avançou no sentido de definir onde existe uma omissão específica ou não, ficando a maioria dos casos à percepção dos juízes, por vezes mais ativistas, outras vezes mais cautelosos.
Ainda sobre a «exigibilidade», outra questão que se impõe é se, constatado o dever específico de proteção, o particular sempre poderá demandar requerendo uma prestação preventiva/repressiva efetiva do estado e/ou sempre uma reparação civil de danos causados por terceiro com omissão relevante do Estado?
A primeira questão remete ao status activus processalis de Peter Härbele, em que se assenta a idéia de que a participação no procedimento é ela mesma o exercício de direito fundamental.[37] O professor Gomes Canotilho, explicita que o cidadão, ao se utilizar dos meios jurídico-processuais influencia diretamente as decisões dos poderes públicos que afetam ou podem afetar os seus direitos.[38] O particular ao demandar condutas preventivas do estado acaba por interferir numa esfera tradicionalmente reservada à discricionariedade estatal. Quanto às repressivas, já não é possível falar perfeitamente de discricionariedade, uma vez que se trata de ato geralmente vinculado.
No caso da reparação civil, a doutrina tenta avançar no sentido de uma subjetivização dos direitos à proteção, mas ainda esbarra no receio do Estado vir a ser um «Estado Seguridade Social» em que todos os eventos danosos possam, de uma forma ou de outra, atribuídos a uma conduta omissiva deste. De fato, os custos seriam insuportáveis. Por isso é necessário avançar no sentido de desvendar o fiel da balança que penderá para um deferimento ou um indeferimento nos casos de reparação civil por violação do dever de proteção. Isso proporcionaria maior eficácia dos direitos fundamentais, reparando às vítimas da criminalidade, bem como evitando a responsabilização em massa do Estado por todos os crimes cometidos no território, em que há, de uma forma ou de outra certa omissão estatal.
A questão mostra total relevância, pois a mesma decisão, em que pese as singularidades do caso concreto, poderá servir para fundamentar demandas propostas por outras vítimas da criminalidade, por pacientes de hospitais públicos sem estrutura adequada, pela fome nas áreas em que sabidamente há problema de secas e todas as outras situações em que é previsível o evento danoso, é esperada uma conduta estatal no seu âmbito de discricionariedade, mas este omite a prestação. A grande questão que se põe está em saber até onde estas prestações se incluem no âmbito da discricionariedade estatal e a partir de onde é possível falar de um direito subjetivo do particular contra o Estado.
Ainda que de forma acanhada, é possível afirmar que a solução de tal problemática passa pela compreensão da ressubjetivizaçção da dimensão objetiva de direitos fundamentais, a compreensão de um núcleo essencial de prestação de direitos sociais e quanto à aplicabilidade dos princípios da prevenção e precaução nas políticas públicas.

2.3. Ressubjetivização da Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais
O primeiro ponto lançado para a compreensão da problemática é a «ressubjetivização da dimensão objetiva». Por tal conceito entende-se o direito conferido ao particular para exigir do Estado o cumprimento dos deveres oriundos da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Como se viu, o paradigma do Estado liberal não foi suficiente para a promoção dos direitos do homem, de forma que, associando-se a esta primeira geração de direitos, a dimensão objetiva veio reforçar os deveres do Estado, exigindo-lhe mais que uma abstenção, mas agora uma atuação positiva no sentido de promover, proteger e realizar os direitos fundamentais.
A Constituição incumbe ao Estado alguns deveres de proteção indispensáveis à consagração dos direitos humanos, sem, contudo, atribuir diretamente ao particular um direito subjetivo correspondente. A princípio, nessa dimensão, nem seria possível falar de direitos subjetivos do particular face ao Estado. Contudo, como alerta Vieira de Andrade, “se a doutrina e a jurisprudência retiram da consagração constitucional dos direitos, para além dos deveres correspectivos dos poderes públicos, garantias de realização efectiva, de promoção e de protecção em toda a vida comunitária, que se traduzem em outros tantos deveres para os poderes públicos, é natural, que comece a perguntar-se se, bem vistas as coisas, os particulares titulares daqueles direitos não terão um direito subjectivo ao cumprimento desses deveres.[39]
Seguindo esta linha de raciocínio, em que não basta que o Estado não ofenda, mas que se empenhe no sentido de evitar a ofensa aos direitos fundamentais, não é de se espantar se já não é possível falar de sindicabilidade do direito à eficiência[40], uma vez que, em países como o Brasil, a eficiência administrativa ganhou, inclusive, status positivo-constitucional. Ora, se o direito à liberdade, à propriedade e à segurança pessoal e familiar, bem como o livre exercício de liberdades cívicos implica a existência de uma administração policial eficiente, cabe perfeitamente a pergunta feita pelo professor Vieira de Andrade, se os indivíduos não terão direito subjetivo à intervenção da polícia quando terceiros ponham concretamente em causa os seus direitos. E, se os direitos fundamentais constituem padrões normativos também para as relações privadas, não terão os indivíduos um direito a que os poderes públicos assegurem, ao nível legislativo, administrativo e judicial, o cumprimento desses valores (...)?[41]
Robert Alexy, tende a conferir aos direitos de proteção a natureza de direitos subjetivos constitucionais à posições fáticas ou normativas em face do Estado. Estas prestações têm como objeto demarcar as esferas dos sujeitos de direito de mesma hierarquia, bem como a exigibilidade e a realização dessa demarcação. Esse direitos de proteção são direitos que o Estado configure e aplique a ordem jurídica de uma determinada maneira no que diz respeito à relação dos sujeitos de direito de mesma hierarquia entre si.[42]
Por um lado esta ressubjetivização proporciona amparo mais eficaz dos direitos fundamentais, mas por outro pode gerar uma situação de insustentabilidade financeira e governamental, em que o Estado deveria agir em resposta direta à vontade dos indivíduos, individualmente caracterizados, justamente por pleitearem pretensões particulares sem fundamento no interesse geral.
É por isso que Vieira de Andrade advoga no sentido de que não se deve alargar a dimensão objetiva de tal modo a ela se constituir uma “presunção a favor da dimensão subjetiva”, pois “a garantia da ordem pública e da segurança interna, a preservação de bens jurídicos comunitários básicos, o bom funcionamento das instituições democráticas e dos tribunais não podem ser vistos como meras garantias dos direitos individuais, ainda que também o sejam ou que, pelo menos, constituam condições objectivas do seu exercício efectivo.”[43]
Há, portanto, um encoberto conflito entre os interesses particulares face os interesses da Comunidade. A idéia da ressubjetivação apresenta um risco de tornar o Estado sobrecarregado de responsabilidades privadas, podendo, a longo prazo provocar o movimento inverso traçado pelas conquistas dos direitos fundamentais. Se tivermos um Estado, que se ousa chamar de «Estado Seguridade Social», o qual é responsável subjetivamente pela realização dos direitos fundamentais, não é difícil presumir sua insustentabilidade. Desse modo, o receio de se ‘quebrar’ o Estado com indenizações decorrentes de eventos danosos ou criminosos provocados por terceiros, mas que o Estado objetiva combater, poderá fazer com que o legislador fique receoso de elencar mais deveres fundamentais ao Estado.
Com o mesmo receio, Vieira de Andrade remete à idéia de reconhecer posições jurídicas subjetivas somente quando estejam em causa interesses individualizáveis correspondentes aos núcleos essenciais das instituições. Opta, portanto, diferentemente de Robert Alexy, em só admitir a existência de um direito subjetivo decorrente dessa dimensão objetiva quando for necessário para assegurar um «standard mínimo». [44]
É certo que o Estado, através dos três poderes, está obrigado a proteger e a garantir prestações existenciais para a realização dos direitos fundamentais. Mas a doutrina e a jurisprudência têm se manifestado numa posição cada vez mais conservadora, retratada pelo professor Gomes Canotilho: “(i) as prestações existenciais partem do mínimo para uma existência minimamente condigna; (ii) são consideradas mais como dimensões de direitos, liberdades e garantias (direito à vida, direito ao desenvolvimento da personalidade, direito ou princípio da dignidade da pessoa humana) do que como elementos constitutivos de direitos sociais; (iii) a posição jurídico-prestacional assenta primariamente em deveres objectivos, prima facie do Estado, e não em direitos subjectivos prestacionais derivados directamente da constituição.”[45]
Muito embora acanhado, como demonstra alhures o mestre lusitano, parece que o movimento de ressubjetivização dos direitos fundamentais está intrinsecamente relacionado com a concepção de proteção do núcleo essencial do direito constitucionalmente protegido. Fora dele, a tendência é compreender que existe uma certa discricionariedade do Estado na execução das políticas de segurança pública e proteção da sociedade. Essa idéia de núcleo essencial tem reiteradamente surgido na discussão de até onde vai o poder dos juízes para conferir posições subjetivas à particulares e onde começa a discricionariedade da administração para executar as políticas de promoção e otimização dos direitos fundamentais. Assim, se certa ação ou omissão do Estado afeta o núcleo essencial, não importa como venha desempenhando a política de promoção dos direitos sociais, o que importa é que o núcleo essencial não poderá ser suprimido.
Seria muito fácil solucionar tal questão apenas remetendo ao núcleo essencial do direito à segurança, como tem sido feito quase que sistematicamente com inúmeros estudos envolvendo direitos fundamentais. A grande questão se encontra em vislumbrar o que seria esse núcleo essencial envolvendo os direitos de proteção, em especial à segurança.
[1] Declaração dos Direitos da Virgínia, 1776. Artigo 3oO governo é ou deve ser instituído para o bem comum, para a proteção e segurança do povo, da nação ou da comunidade. Dos métodos ou formas, o melhor será que se possa garantir, no mais alto grau, a felicidade e a segurança e o que mais realmente resguarde contra o perigo de má administração.
[2] Agravo Regimental n° 239107 no Agravo de Instrumento. Min. Relator Moreira Alves. Decisão em 19/10/99.
[3] MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005. P.5.
[4] SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p.133.
[5] MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005. P.5.
[6] Rudolf Smend defendia que a função essencial da Constituição é promover a integração na comunidade, o que só é possível a partir da tutela de valores, que sejam vividos e socialmente compartilhados. SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional. Trad. José Beneyto Pérez. Madrid. 1985 in SARMENTO, Daniel. op. cit. p. 140.
[7] Também se deve ressaltar a importância da Constituição de Weimar e das decisões do BverGE, p. ex. o caso Lüth.
[8] ANDRADE, J.C. Vieira de. Op cit. Pag. 114.
[9] MONCADA, L. Cabral de . Filosofia do Direito e do Estado. Vol 2. 1.ed. 1966. reimpressão. Coimbra: Coimbra editora, 2006. P. 29.
[10] Ou dimensão objetiva.
[11] ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3.ed. Coimbra: Almedina, 2004. P. 145.
[12] ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3.ed. Coimbra: Almedina, 2004. P. 145.
[13] HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luis Afonso Heck, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1998, p. 239.
[14] SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p.135.
[15] SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p.135.
[16] Tal assunto tem reflexo direto para a compreensão do dever individual e coletivo de proteção ambiental.
[17] (JOAO JOSÉ NUNES ABRANTES. A vinculação das entidades provadas aos direitos fundamentais. P. 96-97) apud MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005. P. 28.
[18] MENDES, Gilmar Ferreira. Os Direitos Fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. In Revista Jurídica n° 14. Disponível em www.planalto.gov.br
[19] ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3.ed. Coimbra: Almedina, 2004. P. 145.
[20] ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008.p. 456.
[21] É importante atentar para o fato de que nem toda ofensa à lei gera automaticamente uma ofensa a Direitos Fundamentais. v.g. normas de mera organização. Chama-se atenção no caso para os direitos fundamentais que recebem normatização direta por lei.
[22] Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada 223 do Supremo Tribunal Federal brasileiro.
[23] ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008.p. 458.
[24] Art. 5° - CFB
[25] Art. 5° § 2º - CFB - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
[26] Art. 5° § 3º - CFB - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais
[27] JOAO JOSÉ NUNES ABRANTES. A vinculação das entidades provadas aos direitos fundamentais. P. 96-97) apud MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005.
[28] GOMES CANOTILHO, J.J. Estudos sobre direitos fundamentais. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 260-261.
[29] JHERING,M Rudolf Von. Geist des römischen Rechts auf den verschiedenen Stufen seuner Entwicklung, Part 3, 5.ed. Leipzig: Breikopf und Härtel, 1906, p. 351 apud ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p.182.
[30] ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008.p. 450.
[31] ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008.p. 462.
[32] Na decisão sobre a assistência social o Tribunal Constitucional Alemão – BverfGE manifestou-se, ao mesmo tempo, de forma cautelosa e ambígua. De início afirma-se que o art. 1°, §1° da Constituição alemã não obriga o Estado à proteção contra necessidades materiais e que o art. 2°, § 2°, 1, não outorga ao indivíduo um direito fundamental a uma assistência correspondente por meio do Estado. Logo após, contudo, o BVerfGE salienta que com isso não se pretende dizer “que o indivíduo não tem direito nenhum constitucionalmente garantido à assistência.” In ALEXY, Robert. op. cit. pag. 436 – BverfGE 1, 97 (104-105).
[33] No sentido de uma subjetivação do direito à proteção. STF – Brasil - INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PODER PÚBLICO - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO - PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS DE DETERMINAÇÃO DESSA RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO CAUSADO A ALUNO POR OUTRO ALUNO IGUALMENTE MATRICULADO NA REDE PÚBLICA DE ENSINO - PERDA DO GLOBO OCULAR DIREITO - FATO OCORRIDO NO RECINTO DE ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL - CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO MUNICÍPIO - INDENIZAÇÃO PATRIMONIAL DEVIDA - RE NÃO CONHECIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. - A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem a) a alteridade do dano; b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo [ação] ou negativo [omissão] do agente público; c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional [RTJ 140/636] e; d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal [RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417] .CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. C.F., art. 37, § 6º.I– A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. II. - Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. III. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses. IV. - Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service. V. - R.E. não conhecido .Caso Blinkfüer. “Nesse caso o Tribunal (BVerGE) considera que para a protecção da instituição da livre imprensa tem de ser assegurada a independência dos órgãos da imprensa contra intervenções de grupos de poder econômico. Assim, entende que a decisão do Bundesgerichtchof (BGH) lesa o direito fundamental previsto no art. 5°, n.° 1 da GG do requerente, uma vez que este Tribunal menosprezou o significado da liberdade de imprensa para a sua posição jurídica material. Nessa medida, o BVerG entendeu que o BGH violou o seu dever de protecção da liberdade de imprensa, constitucionalmente consagrada. BVerfGE, 25, p. 256 e ss apud MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005.p. 35.
[34] Como advertia Pedro Vasconcelos ao dizer que a esfera do político cresce e subverte completamente o quadro das tarefas de polícia em que se julgava conter o Estado das concepções liberais por isso Estado e sociedade irão de novo aproximar-se por múltiplos caminhos. PEDRO CARLOS BARCELAR DE VASCONCELOS, Teoria geral do controlo jurídico do poder público, cit. Pag. 30 apud MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005.p. 16.
[35] NUNES, Ricardo Mendonça. Responsabilidade Objetiva do Estado por Atos Omissivos. Revista Jus Vigilantibus, 31 de outubro de 2005. Disponível em www.jusvi.com
[36] A omissão específica poderia, portanto, resultar de uma lei específica, como também de condições fáticas específicas.
[37] HÄBERLE, Peter, citado por CANOTILHO, J.J. Gomes. Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos fundamentais, procedimento, processo e organização. Boletim da Faculdade de Direito. Vol. LXVI, 1990. p.155.
[38] CANOTILHO, J.J. Gomes. Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos fundamentais, procedimento, processo e organização. Boletim da Faculdade de Direito. Vol. LXVI, 1990. p.155.
[39] ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3.ed. Coimbra: Almedina, 2004. P. 154.
[40] O princípio da Eficiência foi elencado no art. 36 da Constituição Brasileira de 1988 no rol daqueles que orientam a atividade administrativa.
[41] ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3.ed. Coimbra: Almedina, 2004. P. 154.
[42] ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008.p. 450-451. Ainda nesse sentido ROBBERS e MURSWIEK.
[43] ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3.ed. Coimbra: Almedina, 2004. P. 154.
[44] ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3.ed. Coimbra: Almedina, 2004. P. 157.
[45] GOMES CANOTILHO, J.J. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 244.