segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Prisão do Depositário Infiel

É dever do depositário zelar pelos bens sob sua guarda e responsabilidade, devendo comunicar ao juízo as hipóteses de perecimento ou impossibilidade de entrega do bem, em virtude de fortuito ou força maior. A redação do art.666, §3º, CPC, prevê que a prisão de depositário judicial infiel será decretada no próprio processo principal, não precisando de uma ação de depósito específica ou de processo autônomo.
Como se sabe, a penhora tem como uns dos efeitos a «garantia do juízo» e a «individualização dos bens que suportarão os meios executivos». Pela primeira, dá-se segurança ao processo de que há bens suficientes para assegurar a realização do direito do exequendo. Em segundo, a penhora individualizar os bens sobre os quais irão incidir os atos executivos, pois a execução tem a função de expropriar bens do executado para satisfazer o crédito do exequente.
Antes da publicação deste manual sustentávamos o entendimento de que o dispositivo da prisão civil era um meio coercitivo fundamental para garantir a eficiência de todo o processo executivo. Também, numa orientação prática, percebemos a utilidade da prisão civil como último reduto coercitivo para o devedor pagar o débito. Muitas vezes, a experiência mostrou isso, o executado se esquivava durante todo o processo de pagar o débito e somente pagava quando se apresentava o mandado de prisão civil.
O STF havia, inclusive, sumulado (Sum. 619) que a prisão do depositário fiel poderia ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independente da propositura da ação de depósito. Entretanto, o próprio STF cancelou esta súmula (Res nº 349.703 e nº 466.343, e HCs nº 87.585 e nº 92.566), entendendo ser inadmissível a prisão do depositário por infidelidade, qualquer que seja a modalidade de depósito. O plenário firmou a orientação de que só é possível a prisão civil do «responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia» (inciso LXVII do art. 5º da CF/88). A mudança de tal entendimento deveu-se à interpretação do Pacto de San José da Costa Rica, o qual foi ratificado pelo Brasil pelo Decreto 678/92, para valer somente como norma interna. Entretanto, após a Emenda à Constituição Federal nº 45/2005, o § 3º do art. 5º passou a prever que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”
O pacto não foi aprovado, conforme o art. 5º, § 3º. Entretanto, conforme o art. 5º, § 2º, entende-se que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Desta monta, o STF entendeu que o Pacto, embora não tenha natureza de emenda constitucional, posiciona-se, em decorrência deste dispositivo, em posição supra legal. Desta forma, a lei ordinária tem dever de obediência ao Pacto de San José da Costa Rica, o qual proíbe a prisão civil por dívidas .
A essência desta discussão é interpretar corretamente o art. 5º, § 2º, da CF. Isto porque a própria Constituição Federal excepciona a regra de que não haverá prisão por dívidas, ao prescrever: art. 5º, LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel. Então como pode um tratado que «não» tem status constitucional revogar uma disposição constitucional. A chave para o entendimento, e que foi adotado pelo STF, é que a Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais.
Portanto, segundo o STF, não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, seja voluntário ou necessário, como é o caso do depósito judicial.
Cabe aqui, pois, como estudioso da carreira de Oficial de Justiça, interpretar o significado dessa decisão quando direcionada à prática, pois é nesse campo em que atua o executor de mandados. Pois bem, cumpre perceber que o depositário (qualquer que ele seja) não mais poderá ser preso em caso de infidelidade. Ou seja, penhorado um bem, se o depositário desfizer-se do mesmo, não mais corre o risco de prisão civil. Isso, por certo, gera uma dificuldade para o trabalho do Oficial, uma vez que a penhora realizada poderá resultar em nada, se já não mais se tem a prisão como meio de coerção.
Não se trata de ir contra a corrente humanitária, concessiva de direitos humanos, mas sim de refletir sobre a efetividade do processo de execução sem tal instrumento. Não se advoga aqui a tese de que deve prender-se todos aqueles que devem e não pagam. Mas tem que se atentar para os casos em que o depositário descumpre deliberadamente um ordem judicial, um munus público, conduta esta, hoje, que encontra sem nenhuma sanção. De fato, a gravidade desta conduta poderia, inclusive, ganhar status criminal, uma vez que se assemelha à figura da resistência e desobediência, sendo até mesmo mais grave que várias condutas penalmente tipificadas.
Temos que ter cautela com a concessão excessiva de direitos humanos, principalmente quando elas não são acompanhadas pelos seus correlatos «deveres humanos». Porque se por um lado fala-se dos direitos humanos do depositário, porque do outro não fala dos direitos humanos do exequente.
A decisão tomada pelo STF deixou vulnerável o processo de execução, isto é certo. Mas não pode significar que não temos mais meios para realizá-lo. Portanto, seguindo a disposição do Código de Processo Civil, a penhora deverá ser, mais do que nunca, acompanhada da remoção do bem. Deixá-lo com o executado é um risco que comprometeria toda a execução.
De certa forma, considerava o processo de execução, após as leis 11.232/05 e 11.382/06, bastante agressivo, pois determinava a remoção do bem ab initio, logo após a citação, sem que houvesse o pagamento em três dias. Considero que, embora o prazo tenho sido estendido de 24h para 3 dias, ainda é muito curto para que o executado tenha tempo suficiente para organizar um pagamento, nem tempo hábil para preparar eventual defesa. Desta forma, é quase certo que o Oficial de Justiça deverá fazer a penhora de bens e a sua consequente remoção logo após a citação.
Daí extrai-se que os depósitos judiciais deverão ter estrutura condizente com o atual sistema de execução, para albergar a quantidade de bens que não mais poderá (e nem se recomenda mais) ficar nas mãos do exequente.
Por fim, diante do atual sistema de execuções, penso que o legislador deverá prover outros meios que assegurem a eficiência do processo executivo, uma vez que não mais existe o último reduto da «prisão civil», mas que sejam condizentes com o projeto de direitos humanos que o Brasil defende.
Ademais, antes da decisão do STF, entendíamos que o encargo de depositário fiel só poderia ser contraído por pessoa física e nunca por pessoa jurídica. Isto porque como a sanção para o descumprimento do encargo era a constrição à liberdade de locomoção e essa não teria eficácia se aplicada a uma pessoa jurídica. Muito embora a referida decisão tenha vindo para requestionar alguns paradigmas, acredito ainda que apenas pessoa física poderá ser nomeada como depositário fiel, para que seja individualmente identificado o responsável pela guarda dos bens. Interessante é a questão de quando funcionário de pessoa jurídica é nomeado como depositário fiel dos bens, mas depois não é mais empregado desta. Neste caso, o STJ tinha entendido no sentido do não cabimento ordem de prisão contra o empregado. Hoje, por certo, não cabe mais.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A Boa-fé Objetiva: Distinção da boa-fé subjetiva e impacto nos contratos do Código Civil de 2002

O Anteprojeto do Código Civil, em 1972, enviado ao Congresso Nacional, já havia assumido uma orientação ética, cuja raiz é a boa-fé, como um de seus princípios diretores, o que marcadamente o distinguia da orientação individualista do Código de 1916. Segundo Miguel Reale, a superação da posição positivista resultou na preferência dada às normas ou cláusulas abertas, ou seja, “não subordinadas ao renitente propósito de um rigorismo jurídico cerrado, sem nada se deixar para a imaginação criadora dos advogados e juristas e a prudente, mas não menos instituidora, sentença dos juizes”.
O Código Civil de 2002, abraçou este princípio como um dos estruturantes da disciplina contratual, estabelecendo, art. 112, que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, e no Art. 422 que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
A boa-fé pode se manifestar de duas formas, conforme tem preceituado a doutrina: subjetiva e a objetiva. Boa-fé subjetiva consiste, segundo Cézar Fiúza, “em crenças internas, conhecimentos e desconhecimento, convicções internas. Consiste, basicamente, no desconhecimento de situação adversa. Quem compra de quem não é dono, sem saber, age de boa-fé, no sentido subjetivo.” Vigora em matéria de direitos reais e casamento putativo, corresponde, fundamentalmente, a uma atitude psicológica, isto é, uma decisão da vontade, denotando o convencimento individual da parte de obrar em conformidade com o direito.
Já a boa-fé objetiva, segundo o mesmo autor, baseia-se em fatos de ordem objetiva, ou seja, “na conduta das partes, que devem agir com correção e honestidade, correspondendo à confiança reciprocamente depositada. As partes devem ter motivos objetivos para confiar uma na outra.”
Para Judith Martins Costa, “a consideração para com os interesses do alter, visto como membro do conjunto social que é juridicamente tutelado”. Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de comportamento leal. A conduta, segundo a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de “honestidade pública”. Podemos, então, perceber que o legislador intendeu delegar ao magistrado a possibilidade de aferir mais em concreto a boa-fé, preterindo a sua faculdade de apreciar em abstrato, no âmbito legislativo, a validade dos contratos.
O conceito de boa-fé, anteriormente, só era relacionada com a intenção do sujeito de direito, estudada quando da análise dos institutos possessórios, que é justamente a boa-fé subjetiva, que estudamos acima. E para CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA “a maior crítica que certamente se podia fazer ao Código Civil de 1916 era o fato de que nele não se tinha consagrado expressamente o princípio da boa-fé como cláusula geral”.
O Novo Código Civil, então, o princípio da eticidade, valorizando as condutas guiadas pela boa-fé, principalmente no campo obrigacional, seguindo assim a sistemática do Código Civil Italiano de 1942, segundo Flávio Tartuce. O que estranha é o fato, lembrado por GUSTAVO TEPEDINO de que a cláusula geral de boa-fé objetiva constar do Código Comercial de 1850 e sequer ser utilizada, de fato, no mundo prático. Isso realça o entendimento de que a mudança introduzida pelo Código Civil foi muito mais um reflexo da mudança de paradigmas da compreensão do fenômeno jurídico, do que propriamente uma mudança introduzida pela alteração legislativa.
A adoção de cláusulas gerais implicam no reconhecimento da insuficiência do modelo normativista-legalista, ao ponto que permitem uma margem maior de apreciação ao juiz. A boa-fé como cláusula geral está, pois, presente em todos os negócios e contratos celebrados caracterizando-se “como fonte de direito e de obrigações” Pode-se dizer, então, que a cláusula geral de boa-fé, traz aos contratos e aos negócios jurídicos deveres anexos para as partes: de comportarem-se com a mais estrita lealdade, de agirem com probidade, de informarem o outro contratante sobre todo o conteúdo do negócio.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Revisão Direito Administrativo


REVISÃO DIREITO ADMINISTRATIVO

Noções de Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União
Regimes Jurídicos de Contratação de Agentes Públicos
- Celetista
- Vitalício
- Estatutário
Regime Jurídico Único

Abrangência da Lei 8.112/90
Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas federais.

Sevidor:
É a pessoa legalmente investida em cargo público.

Cargo Público:
É o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

Provimento
Ato pelo qual se efetua o preenchimento do cargo público, com a designação de seu titular

Formas de Provimento
Nomeação:
forma de provimento originário.
a) Dá-se-á em caráter efetivo, quando se tratar de cargo isolado de provimento efetivo ou de carreira.
b) em comissão, inclusive na condição de interino, para cargos de confiança vagos.

Concurso Público
O concurso será de provas ou de provas e títulos. Terá validade de até 2 (dois ) anos, podendo ser prorrogado uma única vez, por igual período.

Posse
A posse dar-se-á pela assinatura do respectivo termo, no qual deverão constar as atribuições, os deveres, as responsabilidades e os direitos inerentes ao cargo ocupado, que não poderão ser alterados unilateralmente, por qualquer das partes, ressalvados os atos de ofício previstos em lei.
A posse ocorrerá no prazo de trinta dias contados da publicação do ato de provimento, caso contrário, será tornada SEM EFEITO.

Exercício
Exercício é o efetivo desempenho das atribuições do cargo público ou da função de confiança. O servidor terá 15 dias da data da posse para entrar em exercício, caso contrário será exonerado de ofício.
O início do exercício de função de confiança coincidirá com a data de publicação do ato de designação.

Estágio Probatório
Período de três anos, durante o qual a sua aptidão e capacidade serão objeto de avaliação para o desempenho do cargo, observados assiduidade; disciplina; capacidade de iniciativa; produtividade; responsabilidade.

Estabilidade
O servidor habilitado em concurso público e empossado em cargo de provimento efetivo adquirirá estabilidade no serviço público ao completar 2 (dois) anos de efetivo exercício. O servidor estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar no qual lhe seja assegurada ampla defesa.

Promoção
É o provimento de cargo quando o servidor passa do último padrão de uma classe para o primeiro padrão da classe seguinte. A progressão funcional ocorre quando o servidor salta de um padrão ao seguinte dentro da mesma classe.

Readaptação
Readaptação é a investidura do servidor em cargo de atribuições e responsabilidades compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental verificada em inspeção médica.

Reversão
Reversão é o retorno à atividade de servidor aposentado por invalidez ou no interesse da Administração

Reintegração
A reintegração é a reinvestidura do servidor estável no cargo anteriormente ocupado, ou no cargo resultante de sua transformação, quando invalidada a sua demissão por decisão administrativa ou judicial, com ressarcimento de todas as vantagens.

Recondução
Recondução é o retorno do servidor estável ao cargo anteriormente ocupado e decorrerá de inabilitação em estágio probatório relativo a outro cargo; ou reintegração do anterior ocupante,

Aproveitamento
É o retorno à atividade de servidor em disponibilidade. Far-se-á mediante aproveitamento obrigatório em cargo de atribuições e vencimentos compatíveis com o anteriormente ocupado.

Vacância
É a ausência de titular do cargo público. Decorrerá de: exoneração; demissão; promoção; readaptação; aposentadoria; posse em outro cargo inacumulável; falecimento.

Remoção
Não é forma de provimento. É o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.

Redistribuição
Redistribuição é o deslocamento de cargo de provimento efetivo, ocupado ou vago no âmbito do quadro geral de pessoal, para outro órgão ou entidade do mesmo Poder.


DIREITOS E VANTAGENS

Vencimento
É a retribuição pecuniária pelo exercício de cargo público, com valor fixado em lei.

Remuneração
Remuneração é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei.

Proventos
Remuneração do servidor em inatividade.

VANTAGENS
Indenização

Reparação de custos dispendidos pelo servidor.
a) Ajuda de Custo: destina-se a compensar as despesas de instalação do servidor que, no interesse do serviço, passar a ter exercício em nova sede, com mudança de domicílio em caráter permanente.
b) Diárias: afastar-se da sede em caráter eventual ou transitório para outro ponto do território nacional ou para o exterior, fará jus a passagens e diárias destinadas a indenizar as parcelas de despesas extraordinária com pousada, alimentação e locomoção urbana.
c) Auxílio transporte: ressarcir despesas com a utilização de meio próprio de locomoção para a execução de serviços externos, por força das atribuições próprias do cargo.
d) Auxílio Moradia: ressarcimento das despesas comprovadamente realizadas pelo servidor com aluguel de moradia ou com meio de hospedagem administrado por empresa hoteleira, no prazo de um mês após a comprovação da despesa pelo servidor.

GRATIFICAÇÕES
Vantagens além dos vencimentos.

Retribuição pelo Exercício de Função de Direção, Chefia e Assessoramento
Ao servidor ocupante de cargo efetivo investido em função de direção, chefia ou assessoramento, cargo de provimento em comissão ou de Natureza Especial é devida retribuição pelo seu exercício. Não mais é incorporada pelo decurso do tempo.

Gratificação Natalina
É também conhecido por 13º salário. Corresponde a 1/12 (um doze avos) da remuneração a que o servidor fizer jus no mês de dezembro, por mês de exercício no respectivo ano. Se exonerado, o cálculo recai sobre a remuneração do mês da exoneração.

Adicionais de Insalubridade, Periculosidade ou Atividades Penosas
Os servidores que trabalhem com habitualidade em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida, fazem jus a um adicional sobre o vencimento do cargo efetivo. Cessa com a eliminação das condições ou dos riscos que deram causa a sua concessão. Gestante ou lactante será afastada de atividades como estas.

Adicional por Serviço Extraordinário
Exercido fora do horário normal de trabalho. Remunerado com acréscimo de 50% em relação à hora normal de trabalho, no limite de até 2h diárias.

Adicional Noturno
Compreendido entre 22h de um dia e 5h do dia seguinte. Acrescido de 25% do valor da hora, computando-se cada hora como 52min 30s.

Adicional de Férias
Correspondente a 1/3 (um terço) da remuneração do período das férias. A vantagem decorrente do exercício de função de direção, chefia ou assessoramento, ou ocupar cargo em comissão também conta para o cálculo do 1/3.

Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso
Devida ao servidor que participar de banca, aplicação ou logística de concurso, ou ministrar cursos de formação.

Férias
30 dias de férias, que podem ser acumuladas, até o máximo de dois períodos. 1º período aquisitivo: 12 meses. Os subseqüentes podem ser concedidos em qualquer mês do ano. Só ser interrompidas por motivo de calamidade pública, comoção interna, convocação para júri, serviço militar ou eleitoral, ou por necessidade do serviço declarada pela autoridade máxima do órgão ou entidade.

REGIME DISCIPLINAR
Conjunto de normas sobre os deveres, responsabilidades e sanções aplicáveis aos servidores.

Deveres
Zelo; lealdade; observância das normas; cumprir ordens superiores, salvo as manifestamente ilegais; presteza; assiduidade e pontualidade; moralidade; representar contra ilegalidade.

Responsabilidade

Responsabilidade é a obrigação a responder pelas próprias ações.
O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si. Mas se a penal negar a existência do fato ou a sua autoria, também comunicará às demais esferas
A responsabilidade civil do servidor é subjetiva (culpa ou dolo). A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra eles será executada, até o limite do valor da herança recebida.

Infrações e Penalidades
Infração é a desobediência aos deveres e proibições impostas ao servidor.
Penalidade é a sanção aplicada no caso de infração. Na aplicação das penalidades, sempre motivadas, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
São penalidades disciplinares previstas pela Lei nº. 8.112/90:

Advertência
A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave.
- Cancelamento do registro: 3 anos (não retroage)
- Prescrição da Ação Disciplinar: 180 dias de quando o fato tornou-se conhecido.

Suspensão
Tem lugar na reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias. Se o servidor recusar-se a ser submetido a inspeção médica será punido com suspensão de 15 dias. Pode ser convertida em multa (50% por dia trabalhado).
- Cancelamento do registro: 5 anos (não retroage)
- Prescrição da Ação Disciplinar: 2 anos de quando o fato tornou-se conhecido.

Demissão
Autêntica expulsão do serviço público. Cabível nos casos mais graves previstos no art. 132.
Ação Disciplinar prescreve em 5 anos da data em que o fato tornou-se conhecido.

Cassação de aposentadoria ou disponibilidade
Será aplicada pela autoridade competente para imposição da penalidade de demissão (Lei nº 6.677/94, art. 194) e terá lugar quando o inativo haja praticado, na atividade, faltas a que corresponderia tal sanção e, ainda que a lei não o diga, acarretará, por identidade de razão, as mesmas consequências previstas para os casos de demissão.

Destituição de cargo em comissão e função comissionada
A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de cargo efetivo será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de suspensão e de demissão. Se já houver sido exonerado, esta se converterá em destituição.

Acumulação
A CF prevê possibilidade de acumulação de: a) 2 cargos da saúde; b) 2 cargos de professor; 1 cargo técnico ou científico com um de professor.
Detectada a acumulação ilegal, notifica-se o servidor para optar por um no prazo improrrogável de 10 dias. Omisso, adota-se o procedimento sumário para apuração.

Abandono de Cargo

Ausência intencional do servidor ao serviço por mais de 30 dias consecutivos.
- procedimento sumário

Inassiduidade habitual
falta ao serviço, sem causa justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período
de doze meses.
- procedimento sumário

sexta-feira, 29 de maio de 2009

O que é? E porque?


Exercício de classificação e conceituação. O que é cada objeto acima? Porque?
Vão as dicas. No objeto à esquerda o líquido interno é vinho do porto; no do meio temos chá gelado; e no da direito temos detergente? Como definir os objetos que os abarcam?

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Conteúdo Essencial de Direitos Fundamentais

INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende oferecer uma alternativa para a compreensão do núcleo essencial dos direitos fundamentais, a partir de uma construção filosófica que contrapõe o eu-pessoal com o eu-social na construção de uma proposta cultural do direito.
Para aí chegar, é indispensável compreender que o direito não é composto apenas na sua acepção ahistórica, ou apenas na histórica, mas sim de uma maneira que reconheça a universalidade do instituto e a sua revelação nos variados contextos históricos.

Conceito e Fundamento de núcleo essencial
Nichts ist ohne Grund.[1] Cabe no primeiro momento, portanto, encontrar a razão de ser da concepção de núcleo essencial. Logo em seguida delinear um breve conceito que sirva para uma compreensão inicial do instituto.
A garantia do conteúdo essencial foi criada para controlar a atividade do Poder Legislativo, visando evitar os possíveis excessos que possam ser cometidos no momento de regular os direitos fundamentais.[2] Isto porque os direitos fundamentais, por terem natureza notadamente principiológica, acabam por ter conteúdos semântico-jurídicos geralmente abertos, necessitando da atividade do legislador infra-constitucional para dar-eficácia.[3]
Diversas constituições, mormente as do período pós-guerras, têm desenvolvido, ora de forma sistematizada ora de forma difusa, inúmeros limites à intervenção legislativa restritiva no sítio dos direitos fundamentais. Ao contrário do Estado Liberal[4], percebe-se uma manifestação de desconfiança em relação à atividade do legislador, levando a um deslocamento da questão da justiça do campo da lei para o campo da Constituição.
Período em que a democracia vergou sob furiosos assaltos dos facistas, de uma parte, e dos socialistas autoritários, de outra. Mas os regimes totalitários, destruindo completamente as liberdades democráticas, continuavam no entanto a exigi-las. Todos haviam, segundo Gaetano Mosca, “guardado o simulacro das instituições democráticas, dos Parlamentos mudos e das eleições cujo resultado se conhecia de antemão”.[5]
O surgimento desta garantia, diz Jorge Reis Novais, “está estreitamente ligado à história da Constituição de Weimar, onde às normas constitucionais de direitos fundamentais se atribuía um caráter meramente programático, não se reconhecendo à garantia por eles proporcionada mais que aquilo que já decorria do princípio da legalidade da Administração, com os corolários da reserva e preferência de lei”.[6] Durante a época da Constituição de Weimar, os direitos fundamentais eram praticamente esvaziados de conteúdo pelo trabalho do Poder Legislativo, além de não existir o controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, fazendo necessária a criação de um mecanismo, como a garantia do conteúdo essencial, que limitasse a atividade legislativa e salvaguardasse os direitos fundamentais.
Afinal, na medida em que a intervenção legislativa no campo desses direitos pode assumir uma configuração restritiva, sob o pretexto de explicitar limites imanentes pode o legislador, ainda que virtualmente, violá-los. Há que se admitir, logo, a “necessidade de se impor limites à atividade legislativa no âmbito dos direitos fundamentais para justamente salvaguardar uma série de reivindicações e conquistas contra uma eventual ação erosiva do legislador ordinário”.[7]
De ressaltar, porém, quem enquanto princípio expressamente consagrado na Constituição ou enquanto postulado constitucional imanente, o princípio da proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais.[8]
Neste intuito, alguns ordenamentos constitucionais consagraram expressamente a salvaguarda do núcleo essencial (p.ex. art. 19, II da Lei fundamental alemã de 1949; no art. 18, III da Constituição portuguesa; e a Constituição espanhola de 1978, art. 53, n° 1).[9] De acordo com a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, p.ex., em seu art 19.2: “em caso algum pode um direito fundamental ser afetado no seu conteúdo essencial”.
Diversas são as sistematizações (expressas ou implícitas) dos limites dos limites. Em todas elas encontra-se a contemplação do princípio da preservação do núcleo essencial do direito restringido como limite intransponível. É este princípio que impõe ao legislador uma barreira não superável no que tange com sua atividade restritiva de direitos fundamentais, evitando que ocorra um processo de dessubstancialização da Constituição.[10]
Há, em que pese tudo, um notório desgaste, segundo Novais, entre o enorme sucesso que a fórmula encontrou e o reduzido sentido jurídico útil e autônomo – se é que algum existe – que, decorrido meio século sobre a sua primeira consagração positiva, é possível atribuir a esta garantia constitucional do conteúdo essencial”. [11]
Os problemas enfrentados pelo direito atualmente, tão bem apresentados pelo professor Castanheira Neves, e que refletem nos institutos jurídicos, vão ao ponto de atingir inclusivamente a sua subsistência, o qua tale do direito, ao pôr justamente em causa não só o seu verdadeiro sentido, mas a possibilidade mesma do seu sentido.[12] Desse modo é de se perguntar se algum sentido ainda resta ao princípio (ou postulado) da proteção do núcleo essencial, uma vez que já não temos um paradigma de sua interpretação, e o mesmo encontra sujeito a diversas teorias conflitantes. O que interessa, portanto, é saber se antes esse conflito é possível extrair uma proposta condizente com a culturalidade dialética inter-subjectiva típica do próprio direito.
[1] Nada existe sem razão. HEIDEGGER, Martin. A essência do fundamento. Coleção: Biblioteca da Filosofia Contemporânea. Lisboa: Edições 70, 2008. p. 12.
[2] GAVARA DE CARA, Juan Carlos. Derechos fundamentales y desarrollo legislativo. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1994. apud LOPES, Ana Maria D’Ávila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004.
[3] GOMES CANOTILHO, J.J. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. P. 261.
[4] O legislador era em quem se confiava para combater os abusos do Rei. Como disse Rousseau: Em todos os sentidos, o legislador é no Estado um homem extraordinário; se o deve ser por seu engenho, não o é menos por seu emprego (...) ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Trad. Pedro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002. p.47.
[5] MOSCA, Gaetano. História das Doutrinas Políticas. Trad. Marco Aurélio de Moura Matos. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987, p. 366.
[6] (NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela constituição. Coimbra: Coimbra, 2003, p. 779.)
[7] BIAGI, Cláudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris editor, 2005, p. 74. apud SCHIER, Paulo Ricardo. Fundamentação da Preservação do Núcleo Essencial na Constituição de 1988. Disponível em: www.conpedi.org
[8] HESSE, Grunzüge des Verfassungsrechts, p. 134 apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 316.
[9] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 315.
[10] (RODRIGUEZ-ARMAS, Magdalena Lorenzo. Analisis del contenido esensial de los derechos fundamentales. Granada: Editorial Comares, 1996, p. 74 e ss. apud SCHIER, Paulo Ricardo. Fundamentação da Preservação do Núcleo Essencial na Constituição de 1988. Disponível em: www.conpedi.org
[11] NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela constituição. Coimbra: Coimbra, 2003, p. 779.
[12] CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. vol. 3. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Pag. 43

Conteúdo Essencial de Direitos Fundamentais - Teorias Relativa e Absoluta

Por outro lado, quanto à rigidez deste conteúdo essencial, distinguem-se basicamente duas teorias:[1]
a) teoria relativa: defende a tese de que o conteúdo de um direito fundamental só pode ser conhecido analisando-se, em cada caso concreto, os valores e interesses em jogo. É esse um conceito relativo porque, segundo as exigências do momento, o conteúdo poderá ser ampliado ou restringido. Sua principal diferença com as teorias absolutas é que, para a teoria relativa, o conteúdo essencial não é uma medida preestabelecida e fixa, na medida em que não é um elemento estável nem uma parte autônoma do direito fundamental, mas possui valor constitutivo, obtido a partir do controle de constitucionalidade das normas;
Uma restrição a um direito fundamental somente é admissível se, no caso concreto, aos princípios colidentes, for atribuído um peso maior que aquele atribuído ao princípio de direito fundamental em questão. Por isso é possível afirmar que os direitos fundamentais, enquanto tais, são restrições à sua própria restrição e restringibilidade.[2]
No exercício de analogia às proposições de compreensão do direito sugerida por Castanheira Neves, em função da relatividade com que se entende o núcleo essencial de direitos fundamentais, afirma-se que esta mais se aproxima da concepção histórica.
É certo que o direito romano não foi idêntico ao direito medieval, assim como o direito medieval terá de distinguir-se do direito moderno e o direito moderno não se prolongou sem diferença no direito dos nossos dias, o que sobressalta uma característica de relatividade. O direito é uma função histórica, uma função culturalmente condicionada – afirma-se agora. E a historicidade humana – e mesmo a historicidade ontológica, que atinge as próprias essências ou os sentidos e os fundamentos constitutivos (Max Muller) – exclui, com efeito, que a solução do direito – i.e., a sua normatividade material, ainda mesmo a referida aos seus radicais fundamentos axiológicos-normativos – se possa ter por universal e inalterável. Mas daí já não é lícito concluir – como conclui o historicismo – que tudo no direito, ou que tudo o que tenha a ver com o direito, se pluralize historicamente, em termos de só mediante um mesmo nome podermos associar o que nesse sentido seria realmente diferente. É que deste modo só se comprova a diversidade histórica das soluções – neste sentido há, efectivamente, apenas direitos -, mas não se anula que essas soluções distintas o sejam de um mesmo e universal problema do direito. Ora, o jusnaturalismo, confundindo o problema com a solução – não reflectindo a distinção entre um e outra – imputou à solução a universalidade que só se justifica para o problema; e o historicismo incidindo, no errado pressuposto da mesma confusão ou não distinção, sobre a diversidade e o carácter histórico das soluções, recusa universalidade ainda ao problema.[3]
b) teoria absoluta: propugna que o conteúdo de um direito é sempre o mesmo, sem importarem as circunstâncias de cada caso em particular. Diversas manifestações do Tribunal Constitucional Federal (alemão) sugerem que ele defende uma teoria absoluta. Na decisão sobre gravações secretas afirma-se, nesse sentido, que “nem mesmo interesses preponderantes da coletividade podem justificar uma intervenção na esfera nuclear da configuração da vida privada, protegida de forma absoluta; não há lugar para um sopesamento nos termo da máxima da proporcionalidade”.[4]
Esta perspectiva coaduna-se com a perspectiva ahistórica de compreensão do direito, apresentada por Castanheira Neves. Segundo ele, será decerto inválido postular que o problema do direito (o seu por-quê) e a sua solução ( a sua determinação normativa) se possam pensar uno actu e universalmente. Foi essa a atitude a encontrada no jusnaturalismo clássico, no seu básico essencialismo de ahistoricidade. Esse jusnaturalismo pressupunha já o direito, como que numa sua necessidade ontológico-antropológica evidente – ao interrogar-se sobretudo pela sua solução, pela sua normatividade essencial, e desse modo universalizava o direito inclusive materialmente: “o direito hoje, na sua material normatividade, seria essencialmente o que fora o direito ontem e o que havia de ser direito amanhã e de sempre.”[5]
Os excessos do jusnaturalismo racional desembocaram, quase que a contrário senso, naquilo que viria confiar mais força ao jusracionalismo positivista, apresentando-se ambas, como propostas absolutas de compreensão do direito. O Positivismo, portanto traduz-se ele numa redução dogmática e conceitual do jurídico, de modo a que este encontra a sua expressão imediata, de novo se diga, num sistema normativo abstracto-logicamente elaborado e onde, portanto, as intenções lógico-sistemáticas assimilam as intenções estritamente jurídicas (prático-normativas) e tendem mesmo a substituir-se-lhes numa autonomia toda ela também lógica e sistemática. (razão moderna).[6]
É possível dizer que a idéia de núcleo essencial sugere a existência clara de elementos centrais ou essenciais e elementos acidentais, o que não deixa de preparar significativos embaraços teóricos e práticos.[7] É o que leva a crer que é perfeitamente adequada uma interpretação de historicidade do presente instituto jurídico. Ou seja, que permanece uma característica essencial do seu ser, mas existe outra que é o ser revelado , assumindo conforme o contexto histórico (tempo e espaço) uma feição contingente.
A doutrina e a jurisprudência têm predominamente aceito a relativização, só que não sob o ponto de vista negativo, mas, justamente, como a afirmação da historicidade e da exigência da constante atualização de um direito. Nesse sentido, a garantia do conteúdo essencial não apenas aceita a possibilidade da limitação, mas também a regulação de um direito fundamental, com a finalidade de permitir que possa ser efetivamente exercido, mas sempre que não seja desnaturalizado. Essa garantia, junto com os princípios da ponderação dos bens e da proporcionalidade, constitui um mecanismo indispensável na realização dos direitos fundamentais, os quais não são direitos absolutos, mas também não são, nem muito menos, instrumentos da arbitrariedade do legislador.
É verdade que a teoria absoluta, ao acolher uma noção material do núcleo essencial, insuscetível de redução por parte do legislador pode converter-se, em muitos casos, numa fórmula vazia, dada a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de se demonstrar ou caracterizar in abstracto a existência desse mínimo essencial. É certo, outrossim, que a idéia de uma proteção ao núcleo essencial do direito fundamental, de difícil identificação, pode ensejar o sacrifício do objeto que se pretende proteger.
Doutra parte, a opção pela teoria relativa pode conferir uma flexibilidade exagerada ao estatuto dos direitos fundamentais, o que acaba por descaracterizá-los com princípios centrais do sistema constitucional.[8]
Ressalte-se, por fim, a título didático a teoria esboçada por Dominique Turpin: “Même s’il ne possède plus son entière liberte naturelle, l’individu conservem dans CE contexte, de nombreaux ‘espaces de liberté’ impliquant tantôt une simple abstention de l’État (...) tantôt des prestarions positives de as part (droit sociaux). (...) Comme ces droits son antérieurs (et supérieurs) aux États, ils sont proclamés dans des ‘declarations’, que ne les créent pas mais simplement les raconnaissent, en particulier le ‘noyau dur’ des droits des l’homme, intangible e imprescriptible.”
[1] LOPES, Ana Maria D’Ávila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004
[2] (ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008. p. 296)
[3] CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. vol. 3. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Pag. 12
[4] (BVerfGE 34, 238 (245) apud Alexy, 298)
[5]CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. vol. 3. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Pag. 12
[6] CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. vol. 3. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Pag. 47
[7] MARTINEZ-PUJALTE, La garantia Del contenido esencial de los derechos fundamentales. p. 31 apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 318
[8] MARTINEZ-PUJALTE, La garantia Del contenido esencial de los derechos fundamentales. p. 28 apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 318

Conteúdo Essencial de Direitos Fundamentais - Teorias Subjetiva e Objetiva


Já num posicionamento que corresponde aos acontecimentos histórico-doutrinários, é possível, portanto, classificar as teorias sobre o núcleo essencial em subjetiva e objetiva.
Para melhor esclarecer, lança-se a pergunta elaborada pelo professor Canotilho: Qual o objecto da protecção: o direito subjectivo individual ou a garantia objectiva? Qual o valor da protecção: o núcleo essencial é um valor absoluto ou depende da sua confrontação com outros direitos ou bens?[1]
Pois bem, sobre os critérios utilizados para determinar o conteúdo essencial não existe consenso. A discussão gira em torno de se deve ser estabelecido segundo uma norma objetiva ou um direito subjetivo.
O primeiro critério exige a consideração global do problema, visto que os artigos que contêm os direitos fundamentais são parte de todo o ordenamento jurídico. Assim, admite-se que um direito fundamental possa não ser aplicado a um particular, sem que isso afete o conteúdo essencial, mas sempre que continue vigente para as demais pessoas. Partindo da lição dada pelo professor Vieira de Andrade, é possível entender que o núcleo mínimo dos direitos fundamentais se refere ao «complexo jurídico-normativo na sua essência» e não à realidade social em si. É com esse alcance que vinculam o Estado, admitindo um espaço maior ou menor, de liberdade de conformação, mas lhe sendo vedado sempre a destruição, bem como a descaracterização ou a desfiguração do instituto (do seu núcleo essencial).[2] Segundo Friedrich Klein, uma interpretação objetiva implica que a validade de uma disposição de direito fundamental seja de tal forma reduzida que se torne insignificante para todos os indivíduos ou para a maior parte deles ou ainda para a vida social.[3]
Em oposição, quando é considerada a teoria subjetiva, é necessário examinar a gravidade da limitação do direito em relação ao indivíduo afetado, pois é ele, e não a coletividade, o sujeito desse direito fundamental.[4] Alexy, ao comentar o dispositivo da Lei Fundamental alemã, afirma que “se a Constituição (alemã) estabelece algo tão importante quanto uma proibição de afetação do conteúdo essencial dos direito fundamentais, então, isso diz respeito no mínimo também a posições de direitos fundamentais individuais.”[5] Segundo ele, a natureza dos direitos fundamentais como direitos dos indivíduos milita, no mínimo, a favor de uma coexistência de uma teoria subjetiva e de uma teoria objetiva.[6]
Um núcleo essencial estritamente jurídico (objetivo) só preserva a existência do próprio instituto jurídico, enquanto um núcleo essencial sócio-cultural pressupõe uma realização efetiva e teleológica do mínimo que se pretende resguardar. E cada vez mais se é levado a crer que a idéia de núcleo essencial é menos imutável, menos universal; e mais contingente, social, histórica, assumindo uma feição cada vez mais cultural. É certo que o mínimo será universal naquilo que a humanidade tem de universal. Mas será cultural quando leva em conta as características de cada Estado, Povo, Sociedade, onde se faz imprescindível a análise pelo juiz. O tanto que se quis fugir da idéia de relegar a solução da problemática à análise do caso concreto não foi suficiente para deixar de reconhecer a importância da figura do Juiz na apreciação do mínimo essencial.
Mas a concepção do direito como um fenômeno cultural, impõe uma análise de outros fatores que transbordam à esfera estritamente jurídica e que não se nega uma dimensão constitutiva da historicidade e tempo, como sugerira Martin Heidegger, tendo uma intencionalidade marcadamente antropológico-histórica, compreendendo a juridicidade como um «projeto histórico-social do homem», agora não mais a priori, absoluto ou indisponível, mas resultado de uma dialética entre pressupostas condições humano-sociais.[7]
[1] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 459
[2] ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3.ed. Coimbra: Almedina, 2004. P. 145.
[3] Hermann v. Mangoldt/ Friedrich Klein, Das Bonner Grundgesetz, v.1, art. 19, Anm. V 2a. apud ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008. p. 297
[4] LOPES, Ana Maria D’Ávila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004
[5] ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008. p. 297
[6] ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008. p. 297
[7] CASTANHEIRA NEVES, A. A crise actual da Filosofia do Direito no contexto da crise global da filosofia. Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Editora, 2003.p. 40.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Reclamação Trabalhista contra a ONU/PNUD: Imunidade de Jurisdição e Execução - 1

Trago aos senhores e senhoras um julgamento ainda em curso no STF e que aborda um tema que num futuro bem próximo tomará conta dos nossos tribunais. É justamente a questão da imunidade de jurisdição e execução de Organismos Internacionais. Não estou falando unicamente de Estados soberanos externos, mas sim de organismos que não têm uma base jurisdicional territorial , como é o caso da ONU. Portanto, aguardemos o desenrolar do julgamento. A princípio o STF está discordando do TST, quando aquele entende que a ONU/PNUD é dotada de imunidade de jurisdição e execução, e não só de execução como entendia o tribunal do trabalho. Vejamos.
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O Tribunal iniciou julgamento conjunto de recursos extraordinários interpostos pela Organização das Nações Unidas - ONU, por seu Programa para o Desenvolvimento - PNUD, e pela União nos quais se analisa a existência, ou não, de imunidade de jurisdição e de execução para as organizações internacionais. Na espécie, o juízo da 1ª Vara Federal do Trabalho de Cuiabá-MT, afastando a imunidade de jurisdição expressamente invocada pela ONU/PNUD, com base, dentre outros, na Seção 2 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 27.784/50, julgara procedente reclamação trabalhista contra ela ajuizada pelo ora recorrido — que para ela trabalhara em projeto desenvolvido no Estado do Mato Grosso - PRODEAGRO, na função de monitor técnico de licitações —, condenando-a ao pagamento de diversas verbas trabalhistas. A sentença, entretanto, reconhecera a imunidade de execução da reclamada e a necessidade da renúncia expressa para o seu afastamento. Interposto recurso ordinário pelo reclamante, o TRT da 23ª Região ratificara o entendimento pela inexistência de imunidade de jurisdição em causas trabalhistas e ainda afastara a imunidade à execução do julgado. Após o trânsito em julgado dessa decisão e o início da fase executória, a ONU/PNUD ajuizara ação rescisória perante aquela Corte regional, com fundamento no art. 485, V, do CPC, sustentando violação literal ao disposto na aludida Convenção. O pedido rescisório fora julgado improcedente, o que ensejara a interposição de recurso ordinário. Os apelos extremos impugnam o acórdão do TST que negara provimento a esse recurso ordinário, ao fundamento de que a Justiça do Trabalho, nos termos do que previsto no art. 114 da CF, seria competente para processar e julgar demandas envolvendo organismos internacionais, decorrentes de qualquer relação de trabalho. Alega a ONU/PNUD que a decisão recorrida ofende os artigos 5º, II, XXXV, LII e § 2º, e 114, caput, da CF, e declara a inconstitucionalidade da citada Convenção. Por sua vez, a União aponta afronta aos artigos 5º, LIV, § 2º, 49, I, 84, VIII, e 114, da CF.RE 578543/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 7.5.2009. (RE-578543)RE 597368/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 7.5.2009. (RE-597368)


Reclamação Trabalhista contra a ONU/PNUD: Imunidade de Jurisdição e Execução - 2A Min. Ellen Gracie, relatora, conheceu em parte dos recursos, e, na parte conhecida, a eles deu provimento para, reconhecendo a afronta à literal disposição contida na Seção 2 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, julgar procedente o pleito formulado na ação rescisória, a fim de desconstituir o acórdão do TRT da 23ª Região e reconhecer a imunidade de jurisdição e de execução da ONU/PNUD. Entendeu, em síntese, que o acórdão recorrido ofende tanto o art. 114 quanto o art. 5º, § 2º, ambos da CF, já que confere interpretação extravagante ao primeiro, no sentido de que ele tem o condão de afastar toda e qualquer norma de imunidade de jurisdição acaso existente em matéria trabalhista, bem como despreza o teor de tratados internacionais celebrados pelo Brasil que asseguram a imunidade de jurisdição e de execução da recorrente. Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista da Min. Cármen Lúcia. Leia o inteiro teor do voto da relatora no RE 578543/MT na seção “Transcrições” deste Informativo.

Psicologia Moral!

Além da capacidade de ter uma concepção do bem, os cidadãos têm a capacidade de aceitar princípios políticos de justiça que sejam razoáveis e o desejo de agir de acordo com tais princípios; quando os cidadãos acreditam que as instituições e os procedimentos políticos são justos (como esses princípios especificam), ele estão dispostos a fazer sua parte naquele arranjos, quando têm certeza de que os outros também farão a parte delas; se os outros exibem intenção evidente de fazer a sua parte, as pessoas tendem a aumentar sua confiança neles; essa confiança se torna mais forte quando o sucesso dos arranjos é duradouro; a confiança também aumenta à medida que as instituições básicas elaboradas para assegurar nossos interesses fundamentais são mais firme e voluntariamente reconhecidas.
(John Rawls - Liberalismo Político - pag. 210)

terça-feira, 28 de abril de 2009

CNJ adia definição de trajes para entrar nos Tribunais

Ficou adiada para as próximas sessões plenárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a decisão sobre quais são os trajes adequados para que as pessoas possam entrar nos Tribunais. Na sessão plenária desta terça-feira (28/04), o conselheiro Técio Lins e Silva pediu vistas do Procedimento de Controle Administrativo (PCA nº 2009.10000001233) para estudar melhor o assunto. “Daqui a pouco vai ser necessário criar a Agência Nacional de Regulação do Vestuário”, ironizou o conselheiro.
Até a interrupção do julgamento, quatro conselheiros (Rui Stoco, Mairan Maia, Altino Pedrozo e Antônio Umberto de Souza Junior) já haviam votado com o conselheiro relator, ministro João Oreste Dalazen, pelo indeferimento do pedido do advogado Alex André Smaniotto. O advogado pediu que o CNJ revogasse a portaria da comarca de Vilhena, Rondônia, que restringe o acesso de pessoas ao Fórum em função dos trajes que vestem. Na sessão plenária, os conselheiros Jorge Maurique e Andréa Pachá votaram pelo não conhecimento do pedido.
Pessoa carente - No processo, o advogado alega que o juiz responsável pela Comarca de Vilhena proibiu a entrada de pessoas com calção, shorts e bermudões, como também de bonés e chapéus e que presenciou uma pessoa “extremamente carente” ser impedida de entrar nas dependências do Fórum porque usava bermuda abaixo dos joelhos e camiseta surrada. “Como podemos restringir a entrada de qualquer indivíduo pelas suas vestimentas se elas não infringem a lei?”, indagou o advogado no PCA.
A resposta ao advogado foi dada no voto divergente do conselheiro Paulo Lôbo. Segundo ele, “a Constituição estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. E o magistrado não é legislador”. Segundo o conselheiro Paulo Lôbo, não é razoável que o cidadão seja obrigado a trocar a roupa, que normalmente usa para transitar nos espaços públicos e privados, para ir ao Fórum de sua cidade tomar conhecimento de processos de seu interesse. “Tais proibições, longe de valorizar o Judiciário, o distanciam do cidadão, como local de intermediações às pessoas comuns do povo”, esclarece Paulo Lobo em seu voto.
O conselheiro ministro João Oreste Dalazen fez questão de esclarecer que seu voto não significa “restrição de acesso à Justiça”. Os conselheiros Jorge Maurique e Andréa Pachá, opinaram que o assunto deveria ser tratado pela Corregedoria do Estado. O conselheiro Paulo Lobo citou como exemplo o recente julgamento da demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a entrada, no plenário da Corte, de índios trajando apenas bermudas e cocar.

EF/SR
Agência CNJ de Notícias
Disponível em:
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COMENTÁRIO
É particularmente interessante tal questão, muito embora pareça pitoresca, porque presenciei inúmeras vezes o mesmo fato se repetir no prédio do Fórum em que trabalho. Existe tal restrição expressamente afixada na porta do edifício, de modo que se atribui ao segurança a função de decidir (in concreto) quem pode entrar e quem não pode.
Cheguei a presenciar casos em que pessoas bastante pobres se deslocarem do interior (70 km de distância) para audiências no Juizado Especial e serem impedidas de se apresentarem na audiência, acabando por incorrerem em revelia e, consequente, condenação. Obviamente, aquele cidadão do "interior" nunca irá ver justiça naquela sentença. E digo mais, nós Oficiais de Justiça ao cumprirmos o mandado de citação não temos a obrigação de informar que a pessoa deva comparecer de calça e camisa de manga. Também tal conteúdo não se encontra na lei e nem na constituição, então, não há a presunção do seu conhecimento. Trata-se apenas de uma ordem verbal (que já faz parte da nossa tradição, senão da cultura) e que foi materializada em um papel afixado na entrada do prédio. Que validade poderá ser conferida a tal disposição? E mesmo se for possível cogitar a validade, podemos considerar uma questão justa?
Tentarei tocar em alguns pontos que considero particularmente significativos para uma manifestação.
Em primeiro, tal disposição tem natureza típica de um ato administrativo, como é óbvio, e não de um ato jurisdicional. Mas isso não dispensa a presença do atributo da «legalidade». É uma velha máxima do Direito Administrativo (em que pese as exceções) em que diz que "a Administração só pode fazer aquilo que a lei prescreve"; não se trata de uma liberdade negativa. Então se a lei não dispõe diretamente sobre a matéria, não está nela uma autorização para que isso seja admitido.
Então, donde poderíamos extrair sua validade? Um argumento, por certo, é da «salvaguarda dos bons costumes». De fato, não se negue a importância do costume para o direito. A escola histórica de Savigny, que predominou na Alemanha até antes da promulgação do BGB-1900, considerava o direito como a realização de um projeto comunitário, expresso, como diria o mesmo Savigny, na volksgeist. Tal importância da manifestação cultural vemos também no pensamento do Dr. Castanheira Neves, embora sem tanto realce na perspectiva histórica. O caso que se apresenta mostra-nos a importância que ainda tem o costume nos dias de hoje, em que pese tenhamos vivido e superado o auge do iluminismo racionalista.
E justamente por expressar uma regra que está relacionada aos bons costumes é que não posso dizer, a princípio, que a mesma seja de todo mal. Novamente, em minha experiência forense, presenciei mulheres com shorts minúsculos, camisestas de alça e ventre à mostra pretenderem entrar no Fórum. Nesse caso, até acredito que esta regra seja "boa". Mas o interessante é que, mulheres de saia podem entrar (e não importa o tamanho da saia), o que é proibido são shorts, bermudas e camisas sem-manga. Portanto, muito embora essa regra seja "boa" em sua intencionalidade, ela não consegue manifestar-se em concordância com o princípio da igualdade (trata situações de mesma ratio de forma diferente), da publicidade (pois não se pode presumir o conhecimento por todos) e da razoabilidade (prevê uma sanção de bem maior peso do que o fim que pretende resguardar).
Algumas situações engraçadas que presenciei merecem ser citadas, justamente para funcionar como uma etapa desconstrutiva de tal afirmação, não exatamente nos moldes, mas em vista ao que propunha Derrida. Uma, ainda quando nem era estudante de direito, mas estava acompanhando (como intérprete) um grupo de nacionais de Bermudas (não o traje, mas o país), e uma das visitas agendadas era ao Tribunal de Justiça do Piauí. Lá, ao chegarmos, fomos impedidos de entrar porque os estrangeiros trajavam «terno, gravata e bermudas», ou seja, seu traje oficial. Então, foi preciso uma autorização expressa do presidente do Tribunal para que os permitesse adentrar. Outra que presenciei, foi um «transexual, nascido do sexo masculino» vestindo saia, de cabelos longos e batom, que quis adentrar ao Forum, tendo sido impedida(o) pelo segurança. Pois bem, uma mulher pode, mas um «homem» não pode. Não seria um constrangimento indevido na liberdade sexual do indivíduo?
Somados esses eventos, com alguns que presenciei de revelia porque a parte (muito pobre) não possuía nenhum traje «adequado», resta-me a impressão de que essa regra é de certa forma injusta, antes de dizer «ilegal ou inconstitucional». E a considero inconstitucional porque se trata de uma restrição, sim, ao princípio do AMPLO acesso à justiça. Essa amplitude reflete desde o «direito a uma sentença justa e a sua efetivação» ao «direito de demandar», e mais além! Ao acesso físico à instituição judiciária.
E agora para lembrar Robert Alexy, entendo que uma restrição a um direito fundamental (acesso ao judiciário) só poderia ser justificada se e para satisfazer um outro direito fundamental (tenho dificuldades de conceber os «bons costumes» como um direito fundamental, mas é aquele que se nos apresenta). De modo que a restrição de um haverá de ser proporcional à satisfação do outro, multiplicado pelos pesos em concreto e pesos em abstrato. Sei que assim exposta é um tanto quanto difícil de entender (desculpe o humor, mas fico imaginando aquele que ficou impedido de entrar no Fórum porque não possuía nenhuma calça comprida querendo entender o que se passa nos tribunais para decidir se ele pode ou não adentrar no prédio; é um tanto quanto hilário e me/nos faz sentir(mos) pedantes, senão tolos!)
E agora, peço desculpas aos colegas juristas, pois não vou mais detalhar o meu pensamento de forma dogmática, posto que a solução da equação que propus certamente conferirá direito ao pobre senhor constrangido.
E peço também desculpas ao pobre senhor! Porque escondemo-nos atrás da aplicação exegética de leis e regras, outras vezes recorrendo às teorias mais mirabolantes da dogmática jurídica, para contrapor àquele hermenêutica exegética, quando na verdade o que nos falta é o simples «BOM SENSO».
E eu pergunto, é justo permitir que alguém incorra em revelia, impedido de adentrar ao Forum, quando não tenha uma calça comprida? Porque não foi capaz de comprar uma?
Sinceramente, para mim a resposta está claramente dada. E não queria crer que a retirada da norma implicaria obrigatoriamente a «desordem», a «baixaria», ou a «falta de respeito» dentro da instituição judiciária. Não acho minimamente cabível o argumento «e se todos pudessem vir de bermudas?». Primeiro porque advogados e estagiários não iriam de bermudas só porque tal «aviso» não está mais afixado. Segundo porque as pessoas em regra vestem-se em conformidade ao costume. Terceiro, aqueles poucos que iriam de bermuda, expressão nada além do que a sua natureza (ou pobres, ou mais «à vontade») e desafio que se diga que isso se trata de uma «falta de respeito com o Judiciário».
Falta de respeito sabemos bem o que é!

sábado, 25 de abril de 2009

Oficial de Justiça é Assassinado!

Oficial de Justiça é assassinada durante cumprimento de mandado.

Oficial de Justiça é executado com mais de 20 tiros de pistola
Viúva do oficial de justiça assassinado fez reconstituição do caso Retrão
Polícia faz buscas a assassino de oficial de Justiça morto na serra gaúcha
Juarez Preto, de 47 anos, foi assassinado com um tiro no pescoço em Caxias
O oficial de justiça Expedito José de Santana, assassinado ontem na cidade de Esplanada, era inimigo político do ex-prefeito Fernando Gressi e estava com ação na Justiça Comum, por improbidade administrativa contra o presidente da Câmara de Vereadores, Djalma Brito Lima.
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Com a devida vênia para elencar alguns links, é muito fácil de se ver o que anda acontecendo com os nossos serventuários da justiça, muito em especial o «Oficial de Justiça».
De fato, a figura do Oficial de Justiça causa, a um só tempo, alegria e tristeza. Em minha vida profissional consegui perceber esses momentos provocados por meus atos. O executor de mandados é, sem dúvidas, indispensável para a realização da justiça em concreto.
Os juristas concentram o foco de estudo na figura do juiz, em detrimento de todos os outros colaboradores. Dentre estes, os quais a doutrina chama de auxiliares da justiça, destaco o Oficial. Isto porque é ele quem é o responsável direto pela realização das ordens judiciais. É ele quem tem noção do que um despacho, mandado ou ordem significa na vida de cada jurisdicionado. É ele que percebe, por vezes, a injustiça, o excesso ou o deficit das medidas tomadas por reflexão em abstrato do legislador e do juiz.
A função de efetivar ordens judiciais é revestida de enorme nobreza. Por isso, os oficiais de justiça devem empunhar com transparência e senso de justiça o seu ofício. Por mais que uma decisão judicial seja justa, uma atitude injusta do Oficial de Justiça poderá comprometer em todo a axiologia fundamentante daquela decisão. É por isso que advogo no sentido da qualificação de nossos oficiais, para que sejam dotados de conhecimentos filosóficos do significado da prestação jurisdicional.
Alguns órgãos judiciais deram passo nesse sentido, exigindo a formação superior em Direito. Outros ainda acreditam que qualquer um é capaz de cumprir e interpretar ordens judiciais, para que estejam conformes ao senso de justiça e demais princípios constitucionais da prestação jurisdicional.
Fora isso, devemos também refletir sobre que garantias devemos dotar os nossos Oficiais de Justiça para que cumpram seu mister da forma mais correta possível.
Em primeiro lugar, chamo atenção para o seguinte ponto: o oficial é o responsável individual pelo cumprimento de todas as ordens judiciais. Ele é o último elemento da cadeia jurídica e que carrega consigo a tarefa de efetivar as ordens judiciais. Remeto ao exemplo da Oficiala Sandra Regina (primeiro link), um mulher que fora cumprir um mandado de busca e apreensão de uma motocicleta contra um executado que - já possuíndo três passagens pela polícia - a recebeu com 5 cinco tiros, tendo ela vindo a desfalecer no caminho do Hospital. Então pergunto: é assim que nossa sociedade espera que cumpramos as ordens judiciais? É esperando atos de heroísmos extremos por parte dos Oficiais que devemos esperar que a justiça se efetive?
Em menos de três anos de profissão como Oficial já acompanhei vários crimes contra colegas, dentre os quais o mais frequente é o assassinato. Já houve algumas audiências com chefe dos poderes para procurar-se uma solução para tanto, mas até agora não vi implantada nenhuma medida que pudesse minorar tais dificuldades.
Quem não sabe que o Oficial de Justiça exerce um cargo de alta periculosidade? E muitos chegam a dizer que todo aquele que entra no cargo já tem ciência dessa dificuldade. Mas será que nós, como corpo social, vamos permanentemente exigir comportamentos heróicos por parte daqueles que se propõem a efetivação concreta da justiça. Reitero que o Oficial de Justiça é um personagem indispensável no contexto jurídico-social. Sem ele, quem seria o responsável pelo cumprimento das ordens judiciais? Quem seria o responsável pela justiça no caso concreto?
Um judiciário só de juízes seria inútil, por certo. O poder de coação de uma decisão judicial passa, definitivamente, por conferir aos Oficiais de Justiça meios adequados para seu ofício. Obviamente não se pode exigir de um executor de mandados que ele dê sua vida (literalmente).
Temos que pensar em meios de dispor o aparelho judiciário para que confira um mínimo de proteção ao Oficial de Justiça. Por um lado, acredito que a polícia tem um papel importantíssimo. Por outro lado, precisamos pensar em garantias pessoais ao Oficial.
Não queria ver mais colegas serem assassinados!

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Mais uma manifestação de «racismo no futebol»


A torcida da Juventus repete insultos racistas dirigidos a Mario Balotelli, atacante de 18 anos da Inter de Milão, agora durante o jogo contra a Lazio pela Copa da Itália. A torcida da Velha Senhora já havia dirigido os mesmos insultos (“vaffa...” e “figlio di…”. ) durante o jogo contra a Inter, em que o atacante negro marcara um gol.

O dirigente máximo do Inter, Massimo Moratti, lamentou que os cânticos fossem ouvidos «em todo o estádio, com uma convicção tal que parecia que havia orgulho e felicidade em cantá-los». E criticou também os meios de comunicação por terem sido «brandos, para não dizer absolventes» na denúncia do caso.

Antonio Matarrese, presidente da Liga, solidarizou-se por seu lado com a posição de Moratti. «Seria um sinal forte» na luta contra o racismo, defende.

Em que pese a manifestação da sua torcida, a Vecchia Signora, como associação, já reagiu e admitiu o acontecimento, pedindo desculpas. Giovanni Gigli, presidente do clube, publicou um comunicado «em nome da Juventus e da grande maioria dos seus adeptos» condenando «severamente os gritos racistas contra o jogador», salientando não haver «desculpas nem justificações para este tipo de comportamentos.» O presidente acrescentou ainda que o futebol deve «em conjunto, tentar promover uma cultura desportiva fundada no respeito pelo adversário e na luta contra o racismo.»
É, por óbvio, importante ressaltar que não é toda a torcida da «juve» que adotou tal comportamento. Antes do jogo outros fãs na área diretamente em frente da galeria, não-racista, expôs um banner (em preto e branco) com inscrições: "Davids, Seedorf, Sissoko: campioni veri, idoli veri." Como se a dizer que os outros jogadores de cor - não só da Juventus, mas outras equipes como o Milan - são tratados com respeito e admiração pela contribuição que o desporto em campo.
A polícia analisará os vídeos de segurança para tentar identificar os elementos originários da situação.
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Mais uma vez estamos diante de manifestações racistas no futebol, ou nos esportes em geral. Não se trata de apenas meros xingamentos, insultos ou ofensas que sejam dirigidas a um jogador, pelo seu caráter ou comportamento. Mas sim de insultos que encontram a sua gênese, sua força motora em uma questão étnica.
Tais atitudes realçam ainda que, nós homens, ainda não estamos em um estágio civilizacional que possibilite uma convivência pacífica e harmônica entre diferentes povos.
Acredito que a punição da equipe de Turim não reflita o maior senso da justiça, muito embora tenha um papel fundamentalmente importante para exigir uma atitude positiva dos clubes no sentido de prevenir e coibir atitudes racistas. Em verdade, essa não é a melhor resposta que tem que se dar. Isso porque acaba por se punir uma associação que não foi quem proferiu os insultos. Não estou aqui questionando a sua prescindibilidade. Acredito, inclusive, que a mesma deva ser tomada.
Entretanto, não acredito que a única resposta que tenha que ser dada seja a da Justiça Desportiva. Primeiramente porque, muito embora esteja diretamente envolvida com o esporte, estamos realmente diante de uma ofensa aos direitos humanos; um insulto racista que não pode se beneficiar do escudo de não ser julgado pela Justiça Penal.
Mas não quero aqui me precipitar e condenar antecipadamente os torcedores. Porque as vezes incorremos em uma sede para condenar atitudes sem analisá-las da forma com que merecem. Não presenciei o jogo, nem os insultos, de modo que o contato mais direto que tive foi com as reportagem que se limitaram a transcrever parcialemente os insultos: "vaffa..." e "figlio di...". Ressalto, portanto, a ponderação feita pelo técnico da Inter de Milão, José Mourinho, equipe de Balotelli: José Mourinho, técnico do Inter, prefere não dramatizar a questão, centrando o debate nas qualidades do seu jogador: «Não sei se é uma questão de racismo, ou se os adversários se enervam com ele porque é bom, porque marca e faz jogos brilhantes. É um problema deles. No jogo com a Juventus, obviamente que lamento o aparecimento desses cânticos, mas também saliento que não foi a primeira vez que Mario foi visado dessa forma. Até pelas claques visitantes, em São Siro».
A questão merece toda atenção para que se possa atingir uma decisão justa. O primeiro é saber se a ofensa tem teor gramaticalmente racista, o que não parece ser o caso. A segunda é, se embora não contenha uma ofensa gramatical, trate-se de uma ofensa genérica, mas que contém em sua raiz uma motivação decorrente da raça. Nesses casos, há clara manifestação racista e que merece a repreensão jurídica. Mas, em terceiro, precisamos nos questionar se realmente não se trata mesmo de uma ofensa genérica, desprovida do componente racial e que poderia ser atribuída a qualquer jogador. Neste caso trataria-se de uma ofensa individual e não ganharia as repercussões de uma ofensa a humanidade. Por último, é de se ver se junto com as ofensas existiria também um dolo de ofender, denegrir, humilhar ou rebaixar a pessoa, ou se somente possui um animus jocandi próprio das competições desportivas.
Muito embora cada caso mereça uma atenção especial, não podemos vendarmo-nos os olhos para um problema que tem sido recorrente.
De fato, tais declarações, quando providas de cunho racista, merecem repreensão mais intensa pelo direito, entendendo-se este como a expressão cultural-ética de uma sociedade e que reprova certos tipos de conduta - tais, no caso, que ofendem toda a humanidade. A melhor resposta que o direito pode oferecer (no plano jurisdicional) é investigar e punir individualmente aqueles que houverem proferidos tais insultos, bem como (no plano político) instituir medidas para sua prevenção.
Ainda está bem viva a experiência do Holocausto em nossa tradição jurídica e acho que ela tem de servir para algo. Temos que aprender com os momentos de enorme tensão e sujeição da dignidade do homem, e não mais incorrer nos mesmos erros.
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Aproveito para indicar links sobre o assunto:

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Súmulas Vinculantes

De acordo com notícia divulgada no portal eletrônico do Supremo Tribunal Federal, durante o primeiro ano de gestão do ministro-presidente Gilmar Mendes, houve uma redução de 40,9% no total de processos distribuídos na Corte. Gilmar Mendes assumiu a Presidência do Supremo em abril de 2008. De lá até março de 2009, foram distribuídos 56.537 processos na Corte. Entre abril de 2007 e março de 2008, entraram no Supremo 97.435 processos.
Essa redução foi possível por meio da ampla aplicação, nos últimos 12 meses, do filtro da repercussão geral, que permite que o Supremo julgue apenas temas que possuam relevância social, econômica, política ou jurídica para toda a sociedade brasileira.
Outro mecanismo essencial para que o Supremo exerça de forma ampla seu papel constitucional e que vem sendo muito bem explorado desde o ano passado é a súmula vinculante.
Criada ao mesmo tempo que o dispositivo da repercussão geral, a súmula vinculante impede que juízes de outras instâncias decidam de maneira diferente do Supremo nas questões em que a Corte já tenha firmado entendimento definitivo. A eficácia do dispositivo vai além do Judiciário, vinculando também a administração pública.
De abril do ano passado para cá, foram editadas 11 súmulas vinculantes. A maioria foi fruto de decisões em recursos extraordinários julgados a partir do filtro da repercussão geral. Outras foram criadas pela importância do tema decidido pelo Plenário e uma foi editada após o julgamento da Proposta de Súmula Vinculante (PSV) número 1.
Essa classe processual foi criada no ano passado, na gestão do ministro Gilmar Mendes. Desde então, entraram 41 pedidos de Propostas de Súmulas Vinculantes no Supremo. Esse tipo de processo também é totalmente informatizado e todas as PSVs estão disponíveis no portal do STF.
A PSV não prevê somente a criação de súmulas vinculantes, mas também a revisão ou mesmo o cancelamento das já editadas. Por enquanto, somente uma PSV, a de número 13, pede o cancelamento de súmula vinculante editada pelo Supremo. No caso, é a Súmula Vinculante nº 11, que limita o uso de algemas a quando o preso oferecer risco a policiais ou a terceiros.
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Particularmente achei interessante este último comentário sobre a Súmula Vinculante nº 11, justamente por ter trazido a mesma questão para dentro da sala de aula do curso de Mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. No momento, eu tratava sobre o instituto dos assentos (similares das súmulas vinculantes do ordenamento português), os quais foram declarado inconstitucionais pelo acórdão 743/96 do Tribunal Constitucional Português.
Não estou aqui para fazer um paralelo, mas simplemente para ressaltar essa questão que surgiu em meio à discussão. Quando falei de tal súmula, muitos colegas entenderam que se tratava nitidamente de uma interferência da competência reservada ao legislador. Muitos entenderam que o STF haveria estabelecido uma normatização (por sua generalidade e abstração) sobre uma matéria que não estava diretamente subordinada a uma interpretação de lei.
De fato, aí reside uma grande diferença entre o instituto dos «assentos» e as «súmulas vinculantes». Os primeiros, por serem emitidos pelo STJ (Supremo Tribunal de Justiça) estavam subordinados à lei e passíveis de controle de constitucionalidade pelo TC (Tribunal Constitucional). Já as súmulas vinculantes são emitidas pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Isso quer dizer que, como o STF é o guardião da constituição, elas não estão sujeitas a um controle de constitucionalidade por órgão diverso do emissor. Também implica dizer que elas não se restringem a matérias "infralegais", mas também "supra", pois podem dispor sobre matéria constitucionais.
Isso coloca uma situação até certo ponto estranha, e é o que quero chamar a atenção. Ainda bem que confiamos no nosso Tribunal Constitucional e de fato haveremos de reconhecer o mérito de nossos ministros. Mas, precavendo-se, como fez Montesquieu (receio daquele que detenha o poder venha dele abusar), é importante perceber que o Supremo Tribunal Federal possui o poder de dar a última palavra no exercício da função jurisdicional, assim sendo, determinar a execução de atos pela administração pública, bem como o de emitir preceitos normativos com força geral através das súmulas com efeito vinculante (restrita aos tribunais e administração pública).
Põe-se a questão: se o STF abusar de sua competência na emissão de súmulas vinculantes, que instrumentos temos para o seu controle e balanceamento?

sábado, 18 de abril de 2009

O Pacto Republicano e a concepção republicana

Os presidentes dos três Poderes da federação reuniram-se no dia 13 de abril, em Brasília, para a assinatura do II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo. Ao empunhar o léxico Republicano acaba por transmitir a idéia de uma reconstrução das instituições políticas, de forma a aprofundar a densidade democrática pela via da participação do povo nos negócios públicos.
O pacto traz no seu bojo os seguintes objetivos:
I – acesso universal à Justiça, especialmente dos mais necessitados;
II – aprimoramento da prestação jurisdicional, mormente pela efetividade do princípio constitucional da razoável duração do processo e pela prevenção de conflitos;
III – aperfeiçoamento e fortalecimento das instituições de Estado para uma maior efetividade do sistema penal no combate à violência e criminalidade, por meio de políticas de segurança pública combinadas com ações sociais e proteção à dignidade da pessoa humana.
O acesso universal a justiça já se encontra assegurado pela Carta Constitucional de 1988, bem como no Código de Processo Civil. Tal acesso vai desde o direito de acesso à instituição judiciária até a satisfação da pretensão deduzida. Por vezes, não nos damos conta da potência que se encontra neste dispositivo, o qual tem íntima relação com a ideia republicana. O direito de deduzir demandas junto ao Poder Judiciário é também um meio de participação popular democrática e direta. Trata-se de uma oportunidade que se confere a uma pessoa (individual ou coletiva) de mobilizar o aparelho estatal para que se cumpra a justiça. E aqui não me refiro apenas à satisfação dos créditos individuais, mas principalmente aos instrumentos de uma participação popular efetiva no controle e fiscalização de aplicação dos recursos públicos, conservação do patrimônio de todos e realização dos direitos fundamentais (Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Segurança e etc.).
Percebo que, mais do que a consagração dos institutos na ordem jurídica, o que precisamos mais do que tudo é tomarmos todos consciência de que a res publica realmente se trata da «coisa do povo», principalmente quando se trata das populações de baixa renda. Tenho para mim que essa transformação passa pela compreensão democrática das instituições mais simples, num primeiro momento, que possibilite ao cidadão entender sobre conceitos básicos de Teoria do Estado: contribuir, cooperar, gerir, executar e fiscalizar. Acredito que o cidadão poderia ter outros deveres públicos que não somente o de contribuir com tributos. Em verdade, grande parte da população nem chega a contribuir e, pelo contrário, apenas se beneficiam de programas para combate de necessidades primárias.
Não se questiona de modo algum a importância dos programas para famílias de baixa renda conseguirem um rendimento complementar que assegure, ao mínimo, as condições básicas de sobrevivência. Mas não posso negar que tais programas contribuem para a alienação e a perda completa da noção de que o Estado é composto e sustentado por nós. De fato, aquele que só recebe, não terá consciência de fiscalizar para onde estão sendo direcionados os recursos públicos, desde que o seu benefício caia todo mês em sua conta.
Reforço minha crença nas instituições mais simples. Que tais como vislumbrou Rawls, sejam guiadas por princípios de justiça aceitos por homens em cooperação e auto-responsáveis, possam estabelecer deveres individuais de gestão e fiscalização dos recursos públicos.
É possível que o II Pacto Republicano traga algumas vantagens significativas, uma vez que cada poder toma consciência de seu papel para a consecução dos objetivos ali traçados. Ao que toca o Judiciário, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou dez metas nacionais do Judiciário estabelecidas para 2009 no intuito de reduzir as desigualdades entre os diversos segmentos do Judiciário. Entre elas está o compromisso de identificar e julgar todos os processos distribuídos (aos juízes) até 2005. Michel Temer (pelo Legislativo) informou que a Câmara vai cumprir o seu papel no acordo discutindo e votando as matérias elencadas no protocolo assinado. Os projetos selecionados pelo pacto são quase todos nascidos e crescidos no próprio Legislativo. Ao Executivo cumpre promover o fortalecimento da Defensoria Pública e de mecanismos que garantam assistência jurídica integral à população de baixa renda, formas de ampliação do acesso à Justiça, construção de penitenciárias, entre outros.
O pacto republicano seria esta união das diferentes forças políticas (representadas pelos três poderes soberanos) para a construção de instituições confiáveis, dignas da confiança do cidadão comum.
Esta concepção republicana proporciona diversas compreensões, por vezes relacionado à democracia, às vezes com liberalismo, outros com os direitos sociais, e outras tomado simplesmente em seu sentido etimológico de «bem comum». Também, ultimamente, tem sido interpretado pelo senso comum como «respeito às instituições».
De fato a compreensão do sentido de república, para além do seu sentido etimológico (coisa pública), implica pressupor uma série de condições que estabeleçam igualdades formais e materiais, liberdades públicas e condições mínimas de qualidade de vida condizentes com a dignidade da pessoa humana. Isto para que, a partir daí, o homem, através das instituições públicas, possa se manifestar como cidadão, ativo, participativo, consciente da gestão fiscalização do seu «patrimônio público».
Percebo que no Brasil a descrença nos políticos não decorre unicamente pela corrupção, mas na concepção política de um modo geral. Primeiro, a maioria dos homens e mulheres de bem empunham um discurso de afastamento da política. Segundo, porque isto permite que os nossos «eleitos» atuem em conformidade exclusiva com seu próprio interesses particulares, uma vez que não detemos de meios efetivos de controle e fiscalização.
A demanda (ação judicial) ainda é um meio eficaz, mas sua eficácia é postergada para uma reparação. Inclusive, com o Pacto, a demanda ganha mais relevância com a previsão de instituição de Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados e Distrito Federal, com competência para julgar e conciliar causas cíveis de pequeno valor. Mas também precisamos de meios populares de prevenção da aplicação dos recursos públicos e do funcionamento das instituições. De modo que seja possível construir uma comunidade verdadeiramente republicana.
Outro ponto a ressaltar é o fato de que o pacto se apresenta como uma colaboração por parte dos poderes, algo que vai contra o que preconizava Montesquieu, quando desenhou a separação funcional dos poderes. O que há, em verdade, é uma superação do entendimento clássico da teoria, uma vez que é indispensável a harmonização de fins e meios para a realização dos objetivos do Estado. A doutrina separacionista, mesmo que confira garantias de que le pouvoir arret le pouvoir, acaba sendo um entrave na maximização dos direitos fundamentais. Daí a necessidade de harmonia e cooperação. Mas, importante que a competência de cada órgão seja preservada, não havendo interferências significativas de um poder em outro de modo a esvaziar a esfera do outro. Também, tal cooperação não pode se distanciar da concepção republicana, devendo portanto considerar a participação popular (quantificada ou qualificada) na gerência dos interesses públicos. Não sendo assim, não será possível falar em um pacto verdadeiramente republicano.
Por Rostonio Uchôa
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Encontre aqui o texto completo do II Pacto Republicano:

quinta-feira, 16 de abril de 2009

A teoria moral da justiça como equidade de John Rawls

John Rawls, o mais conhecido e celebrado filósofo político norte-americano, falecido aos 81 anos, em 2002, é tido como o principal teórico da democracia liberal dos dias de hoje. O seu grande tratado jurídico-político A Teoria da Justiça, de 1971, o alinhou entre os grandes pensadores sociais do século 20.
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Trata-se de uma análise sucinta da teoria moral utilizada por John Rawls ao desenvolver “Uma Teoria da Justiça”. Estas observações se inserem no item 9, do Capítulo I.

Esta na base da teoria de Rawls uma tradição contratualista, iniciada por Hobbes, Locke e Rousseau e, como os outros, introduz um pressuposto antropológico para a construção dos princípios da justiça. Esse pressuposto antropológico consiste em admitir que os homens são dotados de razão e auto-interessados. Há também uma certa aversão pelo risco. Diante do risco, o ser humano tende a evitá-lo, que pode se chamar de «maximização dos mínimos».

Associa a concepção de justiça a nossa «sensibilidade moral», ou seja, desperta-se no dia-a-dia ao formularmos juízos, que estabelecem os princípios que controlam as nossas forças morais, ou, mais especificamente, o nosso senso de justiça.

Esses juízos hão-de ser ponderados segundo um «equilíbrio refletido». Do ponto de vista da teoria ética, segundo Rawls, a melhor explicação do senso de justiça de uma pessoa não é a que combina com suas opiniões emitidas antes que ela examine qualquer concepção de justiça, mas sim a que coordena os seus juízos em um equilíbrio refletido.

Isso implica saber se a pessoa deve considerar apenas os tipos que em grau maior ou menor correspondem às suas opiniões atuais, salvo discrepâncias secundárias, ou se deve considerar todas as alternativas possíveis com as quais pudesse plausivelmente conformar seus juízos, juntamente com todas as demonstrações filosóficas pertinentes.

Rawls reconhece uma série de dificuldades em se questionar todos os juízos possíveis, e admite que o máximo que se pode fazer é estudar as concepções da justiça que são por nós conhecidas através da tradição da filosofia moral e também outras que temos conhecimento. É praticamente o que acaba por fazer, ao comparar sua teoria da justiça (como equidade) com o utilitarismo, o intuicionismo e o perfeccionismo.

«Juízos ponderados» são simplesmente os que são feitos sob condições favoráveis ao exercício do senso de justiça, e portanto em circunstâncias em que não ocorrem as desculpas e explicações mais comuns para se cometer um erro. Eles se apresentam como aqueles juízos nos quais as nossas qualidades morais têm o mais alto grau de probabilidade de se mostrarem sem distorção. O senso de justiça, para Rawls, deve fazer uma concessão a probabilidade de os juízos ponderados estarem sujeitos a certas irregularidades e distorções, apesar de serem formulados em circunstâncias favoráveis.

Entretanto, admite não ser possível ainda compreender como essas concepções de justiça variam entre si. Sugere então, como um ponto de partida, caracterizar o senso de justiça de uma única pessoa, instruída, ou de um grupo homogéneo de homens. Supõe que todos têm em si mesmos o modelo completo de uma concepção moral.

E é justamente esse homem, ou grupo homogéneo de homens, dotado de moral, situado na «posição original» que concluirá e escolherá os dois princípios da justiça em detrimento de outras concepções tradicionais de justiça – cita como exemplo a da utilidade e da perfeição.

A luz dessas observações, a justiça como equidade pode ser entendida como a afirmação de que os dois princípios anteriormente mencionados seriam escolhidos na posição original em detrimento de outras concepções tradicionais de justiça como, por exemplo, as da utilidade e da perfeição; e de que esses princípios, após uma reflexão, combinariam melhor com nossos juízos ponderados do que essas alternativas identificadas (utilitarismo, intuicionismo e perfeccionismo). Rawls conclui, a «justiça como equidade» nos aproxima mais do ideal filosófico de equilíbrio; mas sem, obviamente, atingi-lo. Afirma que a doutrina contratualista adequadamente elaborada pode preencher essa lacuna. «A justiça como equidade» é um esforço nessa direção.

De fato há de se reconhecer a posição central do estudo de nossas concepções morais substantivas, bem como sua complexidade. Isso implica o fato de que as nossas teorias atuais, conforme aponta Rawls, são primitivas e apresentam defeitos graves. É preciso ser tolerante com as simplificações quando elas revelam e tomam acessíveis os esquemas gerais dos nossos juízos. Reconhece que as teorias se apresentam como um projeto com a pretensão de se aproximar mais do ideal, mas sempre dotados de lacunas em alguns pontos. Por isso as objeções devem ser feitas com cuidado (principalmente na forma de contra-exemplos). Reconhece inclusive que a teoria da justiça como equidade, como todas outras, está errada em algum ponto.

Uma das críticas, inclusivamente, direcionada a esta teoria é que na sua base da teoria há uma pré-compreensão de que a sociedade deve se fundamentar na cooperação. Há uma inserção de certas convicção morais para fundamentar a criação de outros valores morais. Mas não há duvida de que é uma das grandes teorias contemporâneas na filosofia do direito.

Conclui por dizer: “O que é importante é descobrir com que frequência e em que medida está errada.” É preciso saber qual tem a melhor abordagem global. É, pois, uma teoria que se utiliza de simplificações e destinada aos casos mais administráveis.

Vale dizer que os princípios da justiça identificam certas considerações como sendo «moralmente pertinentes» e as regras de prioridade indicam a «precedência apropriada quando elas conflitam entre si», enquanto a concepção da posição original define a idéia subjacente que deve informar as nossas ponderações. Mas sabemos que, para melhor compreesão, é importante efetuar um estudo mais profundo sobre estes conceitos trazidos na obra de Rawls, o que poderá ser feito posteriormente.