quinta-feira, 23 de abril de 2009

Mais uma manifestação de «racismo no futebol»


A torcida da Juventus repete insultos racistas dirigidos a Mario Balotelli, atacante de 18 anos da Inter de Milão, agora durante o jogo contra a Lazio pela Copa da Itália. A torcida da Velha Senhora já havia dirigido os mesmos insultos (“vaffa...” e “figlio di…”. ) durante o jogo contra a Inter, em que o atacante negro marcara um gol.

O dirigente máximo do Inter, Massimo Moratti, lamentou que os cânticos fossem ouvidos «em todo o estádio, com uma convicção tal que parecia que havia orgulho e felicidade em cantá-los». E criticou também os meios de comunicação por terem sido «brandos, para não dizer absolventes» na denúncia do caso.

Antonio Matarrese, presidente da Liga, solidarizou-se por seu lado com a posição de Moratti. «Seria um sinal forte» na luta contra o racismo, defende.

Em que pese a manifestação da sua torcida, a Vecchia Signora, como associação, já reagiu e admitiu o acontecimento, pedindo desculpas. Giovanni Gigli, presidente do clube, publicou um comunicado «em nome da Juventus e da grande maioria dos seus adeptos» condenando «severamente os gritos racistas contra o jogador», salientando não haver «desculpas nem justificações para este tipo de comportamentos.» O presidente acrescentou ainda que o futebol deve «em conjunto, tentar promover uma cultura desportiva fundada no respeito pelo adversário e na luta contra o racismo.»
É, por óbvio, importante ressaltar que não é toda a torcida da «juve» que adotou tal comportamento. Antes do jogo outros fãs na área diretamente em frente da galeria, não-racista, expôs um banner (em preto e branco) com inscrições: "Davids, Seedorf, Sissoko: campioni veri, idoli veri." Como se a dizer que os outros jogadores de cor - não só da Juventus, mas outras equipes como o Milan - são tratados com respeito e admiração pela contribuição que o desporto em campo.
A polícia analisará os vídeos de segurança para tentar identificar os elementos originários da situação.
_____________
Mais uma vez estamos diante de manifestações racistas no futebol, ou nos esportes em geral. Não se trata de apenas meros xingamentos, insultos ou ofensas que sejam dirigidas a um jogador, pelo seu caráter ou comportamento. Mas sim de insultos que encontram a sua gênese, sua força motora em uma questão étnica.
Tais atitudes realçam ainda que, nós homens, ainda não estamos em um estágio civilizacional que possibilite uma convivência pacífica e harmônica entre diferentes povos.
Acredito que a punição da equipe de Turim não reflita o maior senso da justiça, muito embora tenha um papel fundamentalmente importante para exigir uma atitude positiva dos clubes no sentido de prevenir e coibir atitudes racistas. Em verdade, essa não é a melhor resposta que tem que se dar. Isso porque acaba por se punir uma associação que não foi quem proferiu os insultos. Não estou aqui questionando a sua prescindibilidade. Acredito, inclusive, que a mesma deva ser tomada.
Entretanto, não acredito que a única resposta que tenha que ser dada seja a da Justiça Desportiva. Primeiramente porque, muito embora esteja diretamente envolvida com o esporte, estamos realmente diante de uma ofensa aos direitos humanos; um insulto racista que não pode se beneficiar do escudo de não ser julgado pela Justiça Penal.
Mas não quero aqui me precipitar e condenar antecipadamente os torcedores. Porque as vezes incorremos em uma sede para condenar atitudes sem analisá-las da forma com que merecem. Não presenciei o jogo, nem os insultos, de modo que o contato mais direto que tive foi com as reportagem que se limitaram a transcrever parcialemente os insultos: "vaffa..." e "figlio di...". Ressalto, portanto, a ponderação feita pelo técnico da Inter de Milão, José Mourinho, equipe de Balotelli: José Mourinho, técnico do Inter, prefere não dramatizar a questão, centrando o debate nas qualidades do seu jogador: «Não sei se é uma questão de racismo, ou se os adversários se enervam com ele porque é bom, porque marca e faz jogos brilhantes. É um problema deles. No jogo com a Juventus, obviamente que lamento o aparecimento desses cânticos, mas também saliento que não foi a primeira vez que Mario foi visado dessa forma. Até pelas claques visitantes, em São Siro».
A questão merece toda atenção para que se possa atingir uma decisão justa. O primeiro é saber se a ofensa tem teor gramaticalmente racista, o que não parece ser o caso. A segunda é, se embora não contenha uma ofensa gramatical, trate-se de uma ofensa genérica, mas que contém em sua raiz uma motivação decorrente da raça. Nesses casos, há clara manifestação racista e que merece a repreensão jurídica. Mas, em terceiro, precisamos nos questionar se realmente não se trata mesmo de uma ofensa genérica, desprovida do componente racial e que poderia ser atribuída a qualquer jogador. Neste caso trataria-se de uma ofensa individual e não ganharia as repercussões de uma ofensa a humanidade. Por último, é de se ver se junto com as ofensas existiria também um dolo de ofender, denegrir, humilhar ou rebaixar a pessoa, ou se somente possui um animus jocandi próprio das competições desportivas.
Muito embora cada caso mereça uma atenção especial, não podemos vendarmo-nos os olhos para um problema que tem sido recorrente.
De fato, tais declarações, quando providas de cunho racista, merecem repreensão mais intensa pelo direito, entendendo-se este como a expressão cultural-ética de uma sociedade e que reprova certos tipos de conduta - tais, no caso, que ofendem toda a humanidade. A melhor resposta que o direito pode oferecer (no plano jurisdicional) é investigar e punir individualmente aqueles que houverem proferidos tais insultos, bem como (no plano político) instituir medidas para sua prevenção.
Ainda está bem viva a experiência do Holocausto em nossa tradição jurídica e acho que ela tem de servir para algo. Temos que aprender com os momentos de enorme tensão e sujeição da dignidade do homem, e não mais incorrer nos mesmos erros.
___________
Aproveito para indicar links sobre o assunto:

Nenhum comentário: