segunda-feira, 13 de abril de 2009

Estudo sobre o conceito das imunidades constitucionais

Conceito
Aparentemente, o conceito de imunidade não traz maiores divergências na doutrina. Entende-se as imunidades parlamentares como dispositivos de proteção aos parlamentares para, no exercício de suas funções, atuar com independência em face de abusos e investidas externas. Vale lembrar que se trata imunidade num sentido amplo e que é gênero das espécies irresponsabilidade (imunidade material) e inviolabilidade (imunidade formal). Portanto, buscou-se um conceito que pudesse abarcar ambas as modalidades de forma a não deixar beiradas, mesmo que seja um tanto quanto enxuto.
Entretanto, quando se disseca esquematicamente este conceito, surgem, inevitavelmente, algumas considerações. A imunidade, portanto é uma garantia atribuída a um parlamentar (sujeito ativo), com relação a atos praticados no exercício de sua função (objeto da proteção, elemento temporal e espacial) contra investidas abusivas externas (presume uma ação da qual se protege e um sujeito passivo da proteção) e com a finalidade de preservar a independência de atuação do parlamento (elemento teleológico).
Além dos elementos descritos acima, alia-se o pressuposto da imunidade que é a investidura na função (cargo) parlamentar. CARLA AMADO GOMES diz que o pressuposto das garantias funcionais que envolvem o deputado, “é a existência do mandato”.[1] Entretanto, prefere-se abordar-lo de uma maneira mais genérica – investidura – porque enquadraria também as imunidades conferidas aos membros de outros poderes e que não exercem tecnicamente um mandato. Isto porque a imunidade não é conseqüência especificamente da modalidade “mandato”, mas sim, propriamente, de uma investidura legítima na função pública, que pode ser, verbi gratia, através de nomeação por concurso público.
Diante desses elementos dissecados, começam a surgir arestas mal aparadas que carecem de uma precisão, muitas vezes relegadas à apreciação política pelo próprio parlamento no caso concreto.
Quando se diz que o sujeito ativo da imunidade é o deputado, questiona-se se aquele que foi eleito, mas ainda não assumiu posse, faz jus à proteção? E aquele que tendo sido eleito, adquirido o cargo (diplomado), mas ainda não tomou posse, quando fala na defesa dos interesses daqueles que o elegeram? Ademais, se transpusermos a pessoa do próprio deputado, poder-se-á estender as imunidades aos seus assessores, quando no desempenho de suas funções vierem a difamar outrem? A questão ganha contornos sinuosos se for tomada unicamente pelo aspecto.
O mesmo ocorre quando se invoca os critérios temporal (está circunscrita aos atos cometidos durante o mandato, ou também fora do período os atos praticados em razão dele; ou atos cometidos fora, mas acionados durante o mandato; ou atos cometidos durante mas acionados depois do término) e o espacial (engloba somente os atos cometidos dentro da tribuna, do prédio, do gabinete, numa emissora de televisão ou rádio, na rua, em casa...?). Percebe-se que vai ficando cada vez mais difícil se determinar o conceito de imunidade.
Além disso, questiona-se de quais ações as imunidades visam proteger. Por certo trata-se das ações abusivas que atentam contra a independência do parlamento. Pois bem, em virtude da dificuldade de apreciação do conteúdo dessas ações atentatórias e até mesmo pela parcialidade de quem o apreciará, as imunidades acabaram assumindo a posição de garantias, em que o legislador se antecipa e evita a apreciação do caso concreto desta possível violação, para afirmar, num juízo de suspeição, que todas as ações que se encaixarem nas situações previstas na lei, serão entendidas objetivamente como prejudiciais ao desempenho da atividade parlamentar. Entretanto, é bem razoável admitir as imunidades somente quando a ação da qual se quer proteger o parlamentar (v.g. demandas judiciais) puder efetivamente afetar a independência da sua atuação ou do parlamento como instituição. Desse modo evitaria a utilização dessa garantia como meio de acobertar a criminalidade, mas por outro lado, o parlamentar ficaria refém da maioria.
Principalmente no que toca às inviolabilidades, é preciso ter uma atenção especial, por a questão se põe justamente da seguinte maneira: ou entende-se que a inviolabilidade atuará como um meio para assegurar ou protelar a impunidade de criminosos que estão no poder, ou poderão as demandas judiciais ser instrumentos da oposição, adido a juízes em busca de holofotes para desestabilizar grupos governamentais. É justamente o que atualmente acontece na Itália, em que o primeiro-ministro se alega impossibilitado de governar por ter que se defender de várias acusações de crimes cometidos antes do mandato, mas por outro lado, o Estado tem a finalidade de fazer cumprir a justiça, absolvendo os inocentes e condenando os culpados[2]. Como se vê, a esta questão está longe de ser resolvida.
Ainda dentro dos elementos externos, além das ações das quais se visa proteger, cabe analisar de quem as imunidades visam proteger. Isto porque às imunidades quando pensadas ao tempo da Revolução Francesa, primeiro momento que ganhou contornos semelhantes aos da modernidade, visavam à proteção contra as investidas abusivas do executivo e do judicial. Porém, hoje, algumas questões devem tomar o seu devido lugar. Primeiro, o executivo não é mais monarquista absolutista como no século XVIII, mas sim, na maioria dos países, presidencialistas ou parlamentaristas, dotado de uma legitimação democrática assim como o parlamento, o que não nos permite assentar a soberania parlamentar unicamente neste critério. Assim, as imunidades passam a não ser mais simples concessões do rei ao parlamentares, mas também garantias inerentes aos próprios membros do executivo.
Quando os abusos de Poder do Judiciário, vale ressaltar primeiramente a existência do princípio da inércia, pelo qual, não cabe a este demandar em face de outrem. Portanto, os abusos só poderiam ocorrer em caso de já ajuizada a ação. Isso traz duas pessoas para dentro deste aspecto, quais sejam, o Ministério Público e terceiros privados. Muito embora não seja considerado um quarto poder pela doutrina majoritária, o Ministério Público se apresenta dotado de várias prerrogativas e atribuições, principalmente na persecução criminal e defesa dos direitos difusos e coletivos, que poderiam honrar-lhe um espaço na teoria da separação dos poderes e dos “freios e contrapesos”. Conclui-se que as imunidades também podem ser invocadas para proteção contra abusos do Ministério Público e até mesmo face a um abuso de direito no campo privado, quando demandados por particulares (ações de responsabilidade civil por atos acobertados pela irresponsabilidade; ações penais privadas nos casos de inviolabilidade). Fácil é ver que uma nova ótica do princípio da separação dos poderes, afeta a compreensão do regime das imunidades.
Cabe, ainda nesse ponto, levantar uma questão chave para a compreensão do instituto. As imunidades podem ser argüidas em face da ação de outros parlamentares ou só de membros de outros poderes? Se se afirma que sim, de duas uma, ou devemos repensar o instituto face à separação dos poderes, ou temos que repensar a separação dos poderes e por conseqüência as imunidades. Quando o instituto é compreendido como consectário do princípio da separação dos poderes, não faz muito sentido invocá-lo contra um membro do próprio parlamento. Entretanto, não é somente este princípio que a fundamenta. Há também o princípio representativo que tem assento no tópico adequado. Além é se compreender que, sob o ponto de vista da separação dos poderes, este princípio sofreu grandes modificações desde sua formulação, principalmente em razão da modificação da realidade a qual ele intentava regular. Mas isso será tratado em tópico apropriado.
Seguindo um pouco a diante, se nos posiciona a questão do objeto de proteção. Quais as ações dos parlamentares que estão protegidas sob o manto das imunidades. Como foi dito acima, a maioria das constituições ocidentais é pacífica em admitir a irresponsabilidade por pronunciamentos e votos. Entretanto, quando é preciso definir o conceito de pronunciamento. E é justamente aí que se encontra a dificuldade, pois recai no campo da tópica, sendo complicado prever o conteúdo do que venha a ser acobertado ou não. Colocando duas situações didáticas e bem distintas (1- deputado que acusa ministro de estado de corrupção passiva e, em razão disso, prejudicar a execução de serviço público; 2 – deputado que faz declarações racistas contra outro deputado), pode-se inferir a primeira merece guarida ao ponto que a outra não. Entretanto, quando, no primeiro caso, o deputado acusando o crime cometido pelo ministro, resolve empregar adjetivos de baixo calão relacionados ao caso, mas de forma a humilhar a pessoa do ministro, já não é possível afirmar com certeza absoluta que o pronunciamento estará ou não sob guarida.
Ainda dentro do objeto de proteção, no que concerne às inviolabilidades, as legislações nacionais têm oscilado ao determinar seu conteúdo. Em legislações como a italiana, as inviolabilidades englobam quaisquer crimes praticados antes ou durante o mandato. Em outras, como a Portuguesa, a imunidade processual não se aplica a crimes cuja pena é superior a três anos de prisão. Máxime, não são raras as vozes no sentido pugnar pela extinção das inviolabilidades, uma vez que ofende o dever fundamental de aplicação da justiça. Nesse caso, tornando o conteúdo da inviolabilidade nulo, tal questão não se enquadraria unicamente no estudo das contingências de seu conteúdo, mas precisamente no estudo da sua razão de ser, o que não se deterá neste momento.
Pondo fim à dissecação, e não por menos merecer, toma lugar a questão dos atos no exercício da função. Muito provavelmente é aí que se encontra o coração da questão quando combinado ao elemento teleológico (finalidade de preservar a independência do parlamento). Até então os elementos não precisavam ao certo o conceito das imunidades, dotados de contingências legislativas, jurídicas, culturais e históricas. Mas parece residir aqui o cerne da questão, não que seja algo de fácil acesso, principalmente quando se tem um estudo de tão superficial escopo como o presente. Na verdade, todos os outros elementos devem estar combinados a estes dois, para que se possa afirmar que as imunidades estão sendo bem empregadas. É preciso que a imunidade seja empregada quando o parlamentar encontre-se no exercício de sua função, ou pelo menos em razão dela. É justamente esse critério que permite vislumbrar a possibilidade de se aplicar imunidades a assessores que, no exercício da sua função, por mais que acessória, é certo que contribui para a formação da manifestação do parlamento. Seria fácil, simplório e por demais superficial invocar a máxima jurídica “acessorium sequitur principales”, entretanto a mesma facilidade não se encontra para rebater o brocardo quando se tem em mente o critério da imunização dos atos em razão da função.
Quanto ao teleológico, é certo que não se tem dado muita atenção ao mesmo, sendo isso justamente a causa da desvirtuação e descrédito do instituto. A utilização in concreto das imunidades não pode desvirtuar-se da sua finalidade intrínseca, qual seja, preservar a independência de atuação do parlamento. Acima já foi comentado que o legislador, ao prever as imunidades, antecipou-se ao caso concreto e estabeleceu garantias que prescindem da avaliação tópica. Como garantias absolutas, o parlamentar não precisaria demonstrar que a responsabilização por ato seu iria afetar o funcionamento que parlamento, pois essa já estaria presumida jure et de jure. Acontece que tal presunção assim colocada de maneira absoluta, acaba por ser um verdadeiro cobertor da criminalidade, causando um efeito reverso e danoso ao Estado, que é de se abrigar criminosos impunes no parlamento e frustrar a aplicação da justiça. Portanto, é óbvio que a análise da aplicação das imunidades pressupõe a demonstração de que determinada demanda em face de determinado parlamentar irá afetar a sua atuação direta ou indiretamente, em forma de abuso de poder, coagindo-o, restringindo-lhe a liberdade, e, por conseguinte a independência parlamentar.
É óbvio que uma demanda judicial toma tempo para se defender, mas isso é comum de qualquer cidadão. Todos têm o ônus de promoverem a sua defesa, em despeito da função, cargo, ou emprego (público ou privado) que exercem. Assim, as imunidades parlamentares só têm justo assento quando sirvam para preservar a independência parlamentar, face a abusos de outros “poderes”, que face o enfoque dado, prefere-se redigi-los com letra minúscula.
Vistas todas estas intrigas, conclui-se que embora não se discuta muito em torno da conceituação das imunidades, existem ainda vários espaços, vácuos não tocados pelo legislador, o que permite uma contingência doutrinária e jurisprudencial. É certo que dentro do estreito escopo deste trabalho não será possível abordar todas as intrigas, quando no mais uma delas.
[1] CARLA AMADO GOMES, As imunidades Parlamentares no Direito Português. Coimbra: Coimbra Editora, 1998.
[2] A Itália havia revogado a imunidade parlamentar em 1993 em meio a uma série de escândalos de corrupção. Entretanto o Congresso italiano aprovou nova legislação que estabelece a volta da imunidade judicial para os cinco principais mandatários políticos do país, entre eles, o primeiro-ministro e o presidente da República.
Constituição Italiana - Art. 68 - I membri del Parlamento non possono essere chiamati a rispondere delle opinioni espresse e dei voti dati nell’esercizio delle loro funzioni. Senza autorizzazione della Camera alla quale appartiene, nessun membro del Parlamento può essere sottoposto a perquisizione personale o domiciliare, né può essere arrestato o altrimenti privato della libertà personale, o mantenuto in detenzione, salvo che in esecuzione di una sentenza irrevocabile di condanna, ovvero se sia colto nell’atto di commettere un delitto per il quale è previsto l’arresto obbligatorio in flagranza.
Analoga autorizzazione è richiesta per sottoporre i membri del Parlamento ad intercettazioni,in qualsiasi forma, di conversazioni o comunicazioni e a sequestro di corrispondenza.

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