sábado, 18 de abril de 2009

O Pacto Republicano e a concepção republicana

Os presidentes dos três Poderes da federação reuniram-se no dia 13 de abril, em Brasília, para a assinatura do II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo. Ao empunhar o léxico Republicano acaba por transmitir a idéia de uma reconstrução das instituições políticas, de forma a aprofundar a densidade democrática pela via da participação do povo nos negócios públicos.
O pacto traz no seu bojo os seguintes objetivos:
I – acesso universal à Justiça, especialmente dos mais necessitados;
II – aprimoramento da prestação jurisdicional, mormente pela efetividade do princípio constitucional da razoável duração do processo e pela prevenção de conflitos;
III – aperfeiçoamento e fortalecimento das instituições de Estado para uma maior efetividade do sistema penal no combate à violência e criminalidade, por meio de políticas de segurança pública combinadas com ações sociais e proteção à dignidade da pessoa humana.
O acesso universal a justiça já se encontra assegurado pela Carta Constitucional de 1988, bem como no Código de Processo Civil. Tal acesso vai desde o direito de acesso à instituição judiciária até a satisfação da pretensão deduzida. Por vezes, não nos damos conta da potência que se encontra neste dispositivo, o qual tem íntima relação com a ideia republicana. O direito de deduzir demandas junto ao Poder Judiciário é também um meio de participação popular democrática e direta. Trata-se de uma oportunidade que se confere a uma pessoa (individual ou coletiva) de mobilizar o aparelho estatal para que se cumpra a justiça. E aqui não me refiro apenas à satisfação dos créditos individuais, mas principalmente aos instrumentos de uma participação popular efetiva no controle e fiscalização de aplicação dos recursos públicos, conservação do patrimônio de todos e realização dos direitos fundamentais (Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Segurança e etc.).
Percebo que, mais do que a consagração dos institutos na ordem jurídica, o que precisamos mais do que tudo é tomarmos todos consciência de que a res publica realmente se trata da «coisa do povo», principalmente quando se trata das populações de baixa renda. Tenho para mim que essa transformação passa pela compreensão democrática das instituições mais simples, num primeiro momento, que possibilite ao cidadão entender sobre conceitos básicos de Teoria do Estado: contribuir, cooperar, gerir, executar e fiscalizar. Acredito que o cidadão poderia ter outros deveres públicos que não somente o de contribuir com tributos. Em verdade, grande parte da população nem chega a contribuir e, pelo contrário, apenas se beneficiam de programas para combate de necessidades primárias.
Não se questiona de modo algum a importância dos programas para famílias de baixa renda conseguirem um rendimento complementar que assegure, ao mínimo, as condições básicas de sobrevivência. Mas não posso negar que tais programas contribuem para a alienação e a perda completa da noção de que o Estado é composto e sustentado por nós. De fato, aquele que só recebe, não terá consciência de fiscalizar para onde estão sendo direcionados os recursos públicos, desde que o seu benefício caia todo mês em sua conta.
Reforço minha crença nas instituições mais simples. Que tais como vislumbrou Rawls, sejam guiadas por princípios de justiça aceitos por homens em cooperação e auto-responsáveis, possam estabelecer deveres individuais de gestão e fiscalização dos recursos públicos.
É possível que o II Pacto Republicano traga algumas vantagens significativas, uma vez que cada poder toma consciência de seu papel para a consecução dos objetivos ali traçados. Ao que toca o Judiciário, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou dez metas nacionais do Judiciário estabelecidas para 2009 no intuito de reduzir as desigualdades entre os diversos segmentos do Judiciário. Entre elas está o compromisso de identificar e julgar todos os processos distribuídos (aos juízes) até 2005. Michel Temer (pelo Legislativo) informou que a Câmara vai cumprir o seu papel no acordo discutindo e votando as matérias elencadas no protocolo assinado. Os projetos selecionados pelo pacto são quase todos nascidos e crescidos no próprio Legislativo. Ao Executivo cumpre promover o fortalecimento da Defensoria Pública e de mecanismos que garantam assistência jurídica integral à população de baixa renda, formas de ampliação do acesso à Justiça, construção de penitenciárias, entre outros.
O pacto republicano seria esta união das diferentes forças políticas (representadas pelos três poderes soberanos) para a construção de instituições confiáveis, dignas da confiança do cidadão comum.
Esta concepção republicana proporciona diversas compreensões, por vezes relacionado à democracia, às vezes com liberalismo, outros com os direitos sociais, e outras tomado simplesmente em seu sentido etimológico de «bem comum». Também, ultimamente, tem sido interpretado pelo senso comum como «respeito às instituições».
De fato a compreensão do sentido de república, para além do seu sentido etimológico (coisa pública), implica pressupor uma série de condições que estabeleçam igualdades formais e materiais, liberdades públicas e condições mínimas de qualidade de vida condizentes com a dignidade da pessoa humana. Isto para que, a partir daí, o homem, através das instituições públicas, possa se manifestar como cidadão, ativo, participativo, consciente da gestão fiscalização do seu «patrimônio público».
Percebo que no Brasil a descrença nos políticos não decorre unicamente pela corrupção, mas na concepção política de um modo geral. Primeiro, a maioria dos homens e mulheres de bem empunham um discurso de afastamento da política. Segundo, porque isto permite que os nossos «eleitos» atuem em conformidade exclusiva com seu próprio interesses particulares, uma vez que não detemos de meios efetivos de controle e fiscalização.
A demanda (ação judicial) ainda é um meio eficaz, mas sua eficácia é postergada para uma reparação. Inclusive, com o Pacto, a demanda ganha mais relevância com a previsão de instituição de Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados e Distrito Federal, com competência para julgar e conciliar causas cíveis de pequeno valor. Mas também precisamos de meios populares de prevenção da aplicação dos recursos públicos e do funcionamento das instituições. De modo que seja possível construir uma comunidade verdadeiramente republicana.
Outro ponto a ressaltar é o fato de que o pacto se apresenta como uma colaboração por parte dos poderes, algo que vai contra o que preconizava Montesquieu, quando desenhou a separação funcional dos poderes. O que há, em verdade, é uma superação do entendimento clássico da teoria, uma vez que é indispensável a harmonização de fins e meios para a realização dos objetivos do Estado. A doutrina separacionista, mesmo que confira garantias de que le pouvoir arret le pouvoir, acaba sendo um entrave na maximização dos direitos fundamentais. Daí a necessidade de harmonia e cooperação. Mas, importante que a competência de cada órgão seja preservada, não havendo interferências significativas de um poder em outro de modo a esvaziar a esfera do outro. Também, tal cooperação não pode se distanciar da concepção republicana, devendo portanto considerar a participação popular (quantificada ou qualificada) na gerência dos interesses públicos. Não sendo assim, não será possível falar em um pacto verdadeiramente republicano.
Por Rostonio Uchôa
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Encontre aqui o texto completo do II Pacto Republicano:

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