segunda-feira, 25 de maio de 2009

Conteúdo Essencial de Direitos Fundamentais - Teorias Relativa e Absoluta

Por outro lado, quanto à rigidez deste conteúdo essencial, distinguem-se basicamente duas teorias:[1]
a) teoria relativa: defende a tese de que o conteúdo de um direito fundamental só pode ser conhecido analisando-se, em cada caso concreto, os valores e interesses em jogo. É esse um conceito relativo porque, segundo as exigências do momento, o conteúdo poderá ser ampliado ou restringido. Sua principal diferença com as teorias absolutas é que, para a teoria relativa, o conteúdo essencial não é uma medida preestabelecida e fixa, na medida em que não é um elemento estável nem uma parte autônoma do direito fundamental, mas possui valor constitutivo, obtido a partir do controle de constitucionalidade das normas;
Uma restrição a um direito fundamental somente é admissível se, no caso concreto, aos princípios colidentes, for atribuído um peso maior que aquele atribuído ao princípio de direito fundamental em questão. Por isso é possível afirmar que os direitos fundamentais, enquanto tais, são restrições à sua própria restrição e restringibilidade.[2]
No exercício de analogia às proposições de compreensão do direito sugerida por Castanheira Neves, em função da relatividade com que se entende o núcleo essencial de direitos fundamentais, afirma-se que esta mais se aproxima da concepção histórica.
É certo que o direito romano não foi idêntico ao direito medieval, assim como o direito medieval terá de distinguir-se do direito moderno e o direito moderno não se prolongou sem diferença no direito dos nossos dias, o que sobressalta uma característica de relatividade. O direito é uma função histórica, uma função culturalmente condicionada – afirma-se agora. E a historicidade humana – e mesmo a historicidade ontológica, que atinge as próprias essências ou os sentidos e os fundamentos constitutivos (Max Muller) – exclui, com efeito, que a solução do direito – i.e., a sua normatividade material, ainda mesmo a referida aos seus radicais fundamentos axiológicos-normativos – se possa ter por universal e inalterável. Mas daí já não é lícito concluir – como conclui o historicismo – que tudo no direito, ou que tudo o que tenha a ver com o direito, se pluralize historicamente, em termos de só mediante um mesmo nome podermos associar o que nesse sentido seria realmente diferente. É que deste modo só se comprova a diversidade histórica das soluções – neste sentido há, efectivamente, apenas direitos -, mas não se anula que essas soluções distintas o sejam de um mesmo e universal problema do direito. Ora, o jusnaturalismo, confundindo o problema com a solução – não reflectindo a distinção entre um e outra – imputou à solução a universalidade que só se justifica para o problema; e o historicismo incidindo, no errado pressuposto da mesma confusão ou não distinção, sobre a diversidade e o carácter histórico das soluções, recusa universalidade ainda ao problema.[3]
b) teoria absoluta: propugna que o conteúdo de um direito é sempre o mesmo, sem importarem as circunstâncias de cada caso em particular. Diversas manifestações do Tribunal Constitucional Federal (alemão) sugerem que ele defende uma teoria absoluta. Na decisão sobre gravações secretas afirma-se, nesse sentido, que “nem mesmo interesses preponderantes da coletividade podem justificar uma intervenção na esfera nuclear da configuração da vida privada, protegida de forma absoluta; não há lugar para um sopesamento nos termo da máxima da proporcionalidade”.[4]
Esta perspectiva coaduna-se com a perspectiva ahistórica de compreensão do direito, apresentada por Castanheira Neves. Segundo ele, será decerto inválido postular que o problema do direito (o seu por-quê) e a sua solução ( a sua determinação normativa) se possam pensar uno actu e universalmente. Foi essa a atitude a encontrada no jusnaturalismo clássico, no seu básico essencialismo de ahistoricidade. Esse jusnaturalismo pressupunha já o direito, como que numa sua necessidade ontológico-antropológica evidente – ao interrogar-se sobretudo pela sua solução, pela sua normatividade essencial, e desse modo universalizava o direito inclusive materialmente: “o direito hoje, na sua material normatividade, seria essencialmente o que fora o direito ontem e o que havia de ser direito amanhã e de sempre.”[5]
Os excessos do jusnaturalismo racional desembocaram, quase que a contrário senso, naquilo que viria confiar mais força ao jusracionalismo positivista, apresentando-se ambas, como propostas absolutas de compreensão do direito. O Positivismo, portanto traduz-se ele numa redução dogmática e conceitual do jurídico, de modo a que este encontra a sua expressão imediata, de novo se diga, num sistema normativo abstracto-logicamente elaborado e onde, portanto, as intenções lógico-sistemáticas assimilam as intenções estritamente jurídicas (prático-normativas) e tendem mesmo a substituir-se-lhes numa autonomia toda ela também lógica e sistemática. (razão moderna).[6]
É possível dizer que a idéia de núcleo essencial sugere a existência clara de elementos centrais ou essenciais e elementos acidentais, o que não deixa de preparar significativos embaraços teóricos e práticos.[7] É o que leva a crer que é perfeitamente adequada uma interpretação de historicidade do presente instituto jurídico. Ou seja, que permanece uma característica essencial do seu ser, mas existe outra que é o ser revelado , assumindo conforme o contexto histórico (tempo e espaço) uma feição contingente.
A doutrina e a jurisprudência têm predominamente aceito a relativização, só que não sob o ponto de vista negativo, mas, justamente, como a afirmação da historicidade e da exigência da constante atualização de um direito. Nesse sentido, a garantia do conteúdo essencial não apenas aceita a possibilidade da limitação, mas também a regulação de um direito fundamental, com a finalidade de permitir que possa ser efetivamente exercido, mas sempre que não seja desnaturalizado. Essa garantia, junto com os princípios da ponderação dos bens e da proporcionalidade, constitui um mecanismo indispensável na realização dos direitos fundamentais, os quais não são direitos absolutos, mas também não são, nem muito menos, instrumentos da arbitrariedade do legislador.
É verdade que a teoria absoluta, ao acolher uma noção material do núcleo essencial, insuscetível de redução por parte do legislador pode converter-se, em muitos casos, numa fórmula vazia, dada a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de se demonstrar ou caracterizar in abstracto a existência desse mínimo essencial. É certo, outrossim, que a idéia de uma proteção ao núcleo essencial do direito fundamental, de difícil identificação, pode ensejar o sacrifício do objeto que se pretende proteger.
Doutra parte, a opção pela teoria relativa pode conferir uma flexibilidade exagerada ao estatuto dos direitos fundamentais, o que acaba por descaracterizá-los com princípios centrais do sistema constitucional.[8]
Ressalte-se, por fim, a título didático a teoria esboçada por Dominique Turpin: “Même s’il ne possède plus son entière liberte naturelle, l’individu conservem dans CE contexte, de nombreaux ‘espaces de liberté’ impliquant tantôt une simple abstention de l’État (...) tantôt des prestarions positives de as part (droit sociaux). (...) Comme ces droits son antérieurs (et supérieurs) aux États, ils sont proclamés dans des ‘declarations’, que ne les créent pas mais simplement les raconnaissent, en particulier le ‘noyau dur’ des droits des l’homme, intangible e imprescriptible.”
[1] LOPES, Ana Maria D’Ávila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004
[2] (ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008. p. 296)
[3] CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. vol. 3. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Pag. 12
[4] (BVerfGE 34, 238 (245) apud Alexy, 298)
[5]CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. vol. 3. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Pag. 12
[6] CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. vol. 3. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Pag. 47
[7] MARTINEZ-PUJALTE, La garantia Del contenido esencial de los derechos fundamentales. p. 31 apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 318
[8] MARTINEZ-PUJALTE, La garantia Del contenido esencial de los derechos fundamentales. p. 28 apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 318

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