segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A Boa-fé Objetiva: Distinção da boa-fé subjetiva e impacto nos contratos do Código Civil de 2002

O Anteprojeto do Código Civil, em 1972, enviado ao Congresso Nacional, já havia assumido uma orientação ética, cuja raiz é a boa-fé, como um de seus princípios diretores, o que marcadamente o distinguia da orientação individualista do Código de 1916. Segundo Miguel Reale, a superação da posição positivista resultou na preferência dada às normas ou cláusulas abertas, ou seja, “não subordinadas ao renitente propósito de um rigorismo jurídico cerrado, sem nada se deixar para a imaginação criadora dos advogados e juristas e a prudente, mas não menos instituidora, sentença dos juizes”.
O Código Civil de 2002, abraçou este princípio como um dos estruturantes da disciplina contratual, estabelecendo, art. 112, que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, e no Art. 422 que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
A boa-fé pode se manifestar de duas formas, conforme tem preceituado a doutrina: subjetiva e a objetiva. Boa-fé subjetiva consiste, segundo Cézar Fiúza, “em crenças internas, conhecimentos e desconhecimento, convicções internas. Consiste, basicamente, no desconhecimento de situação adversa. Quem compra de quem não é dono, sem saber, age de boa-fé, no sentido subjetivo.” Vigora em matéria de direitos reais e casamento putativo, corresponde, fundamentalmente, a uma atitude psicológica, isto é, uma decisão da vontade, denotando o convencimento individual da parte de obrar em conformidade com o direito.
Já a boa-fé objetiva, segundo o mesmo autor, baseia-se em fatos de ordem objetiva, ou seja, “na conduta das partes, que devem agir com correção e honestidade, correspondendo à confiança reciprocamente depositada. As partes devem ter motivos objetivos para confiar uma na outra.”
Para Judith Martins Costa, “a consideração para com os interesses do alter, visto como membro do conjunto social que é juridicamente tutelado”. Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de comportamento leal. A conduta, segundo a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de “honestidade pública”. Podemos, então, perceber que o legislador intendeu delegar ao magistrado a possibilidade de aferir mais em concreto a boa-fé, preterindo a sua faculdade de apreciar em abstrato, no âmbito legislativo, a validade dos contratos.
O conceito de boa-fé, anteriormente, só era relacionada com a intenção do sujeito de direito, estudada quando da análise dos institutos possessórios, que é justamente a boa-fé subjetiva, que estudamos acima. E para CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA “a maior crítica que certamente se podia fazer ao Código Civil de 1916 era o fato de que nele não se tinha consagrado expressamente o princípio da boa-fé como cláusula geral”.
O Novo Código Civil, então, o princípio da eticidade, valorizando as condutas guiadas pela boa-fé, principalmente no campo obrigacional, seguindo assim a sistemática do Código Civil Italiano de 1942, segundo Flávio Tartuce. O que estranha é o fato, lembrado por GUSTAVO TEPEDINO de que a cláusula geral de boa-fé objetiva constar do Código Comercial de 1850 e sequer ser utilizada, de fato, no mundo prático. Isso realça o entendimento de que a mudança introduzida pelo Código Civil foi muito mais um reflexo da mudança de paradigmas da compreensão do fenômeno jurídico, do que propriamente uma mudança introduzida pela alteração legislativa.
A adoção de cláusulas gerais implicam no reconhecimento da insuficiência do modelo normativista-legalista, ao ponto que permitem uma margem maior de apreciação ao juiz. A boa-fé como cláusula geral está, pois, presente em todos os negócios e contratos celebrados caracterizando-se “como fonte de direito e de obrigações” Pode-se dizer, então, que a cláusula geral de boa-fé, traz aos contratos e aos negócios jurídicos deveres anexos para as partes: de comportarem-se com a mais estrita lealdade, de agirem com probidade, de informarem o outro contratante sobre todo o conteúdo do negócio.

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