quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Direito à baixa de hipoteca celebrada entre construtora e financeira

Muitas vezes, na prática imobiliária, as incorporadoras e construtores recorrem a financiamentos para a construção de seus empreendimentos imobiliários. Como garantia desse empréstimo, dão em garantia (hipoteca) a própria construção.

Depois disso, iniciada a obra, passam a vender a terceiros as unidades imobiliárias, fazendo incluir uma “cláusula de concordância” com aquela hipoteca celebrada entre a construtora e a instituição financeira.

Isso gera um problema sem tamanho para o adquirente, pois além de liquidar o seu débito, deve contar com a boa vontade da construtora para que também liquide sua dívida junto à financeira, para, só assim, ter o seu imóvel livre e desembaraçado de qualquer ônus.

Daí, já é possível imaginar a quantidade de problemas que podem advir.

A interpretação mais condizente com a justiça dirá que, se os adquirentes efetuarem o pagamento total do valor contratado, lhes assistirá o direito de receber a baixa da hipoteca para poderem exercer o domínio do imóvel adquirido.

Não há razão para a construtora se negar a cumprir a obrigação de baixar a hipoteca após o pagamento da última prestação do valor contratado.


701794-CONTRATO DE MÚTUO- PAGAMENTO DO VALOR MUTUADO- ALEGAÇÃO POSTERIOR DE ERRO DE CELEBRAÇÃO- INADIMISSIBILIDADE. 1-Os contratos, como lei entre as partes, devem ser cumpridos, não podendo uma parte, em dia com o cumprimento de suas obrigações,ser apenada em virtude de erro debitado exclusivamente à outra parte. 2- Se o mutuário, contraindo financiamento para a aquisição de imóvel, honra todas as suas prestações, ao longo de 15 (quinze) anos, tem direito adquirido à baixa do agente não podendo infirmá-lo a alegação tardia do agente financeiro, de que errara na contratação, ao fazer incidir PES e o FCVS. ( TRF 1a R - AC 94.01.22178-2 - DF- 3a T. Rel. Juiz Olindo Menezes- DJU 30.09.97)

Diante desse imbróglio, o STJ aprovou o enunciado nº 308, que consolidou sua jurisprudência, afirmando que a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, é ineficaz perante os adquirentes do imóvel.

"A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel" (Súmula 308, STJ).

Vejamos outras manifestações do Superior Tribunal de Justiça – STJ:


AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO CIVIL - DIREITO DAS COISAS - DIREITOS REAIS SOBRE COISAS ALHEIAS - GARANTIA - CANCELAMENTO DE HIPOTECA - PAGAMENTO INTEGRAL DO PREÇO PELO PROMITENTE COMPRADOR - (SÚMULA 308/STJ) - RECURSO IMPROVIDO.

1. O recorrente não cuidou de trazer qualquer subsídio capaz de alterar os fundamentos da decisão impugnada.

2. A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, antes ou depois da alienação da unidade autônoma do empreendimento, não tem eficácia para o adquirente (Súmula 308/STJ).

3. Agravo regimental improvido.

(AgRg no Ag 986.302/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 03/12/2008)

RECURSOS ESPECIAIS. FINANCIAMENTO PARA CONSTRUÇÃO. SFH. HIPOTECA.TERCEIROS ADQUIRENTES DE UNIDADES IMOBILIÁRIAS. CANCELAMENTO DA GARANTIA. PRECEDENTE DO STJ.

"A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel" (verbete n. 308/STJ).

Ineficaz a hipoteca perante os terceiros adquirentes, não há possibilidade de o banco credor exercer o seu direito sobre ela, dando-se, via de conseqüência, o perecimento da citada garantia, nos termos dos arts. 77 e 78 do Código Civil de 1916, possibilitando o seu cancelamento.

Recurso do BANESPA S/A não conhecido e recurso de Francesco e Maria Nardi parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.

(REsp 576.150/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2005, DJ 10/10/2005, p. 374)

Situação idêntica ao presente caso foi apreciada pela Egrégia Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp 431.440/SP, envolvendo, igualmente, instituição bancária e construtora. Naquela oportunidade, por unanimidade, decidiu-se pela possibilidade de cancelamento da hipoteca, mantendo o acórdão então recorrido. Confira-se a bem lançada motivação do voto da eminente relatora, Ministra Nancy Andrighi:

"O recorrente alega que a hipoteca não poderia ter sido cancelada pois, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, não perdeu o seu objeto.

O Tribunal a quo analisou a questão determinando o cancelamento da hipoteca, porque, 'se o direito decorrente da hipoteca defendida pelo embargado não pode ser exercido, não lhe serve à satisfação do crédito, há que se entender tenha havido o seu perecimento. Nesse sentido os artigos 77 e 78 do Código Civil. É que perece o direito perecendo seu objeto (artigo 77).' (fl. 757).

Entretanto, conforme anteriormente exposto, é pacífico o entendimento de que, em casos como os que ora se examina, a hipoteca é ineficaz perante os terceiros, promissários-compradores, uma vez que se deve aplicar o regime especial instituído pelas Leis nsº. 4.380/64 e 4.864/65.

Nas palavras do em. Min. Ruy Rosado de Aguiar (REsp 187.940), "A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transferência, por escritura de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre 'os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado' (art. 22 da Lei nº 4.864/65), (...)'.

Logo, transferidos os apartamentos mediante promessa de compra e venda, a hipoteca que existia sobre essas unidades não têm mais eficácia perante os promissários-compradores, e, por isso, deve ser cancelada, pois, como bem determinou a Corte de origem, 'não mais podendo ser utilizada para satisfazer o crédito do banco exeqüente, perdeu suas características essenciais e, bem assim, seu valor econômico.'". (grifados)

(Documento: 562116 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 10/10/2005 Página 5 de 7 Superior Tribunal de Justiça)

Portanto, diante das manifestações jurisprudenciais, é imperativo concluir-se que o adquirente que liquida totalmente o seu débito cancelamento da hipoteca que existia sobre a unidade habitacional, pois a mesma não pode mais ser utilizada para satisfazer o crédito do banco exeqüente.

A Boa-Fé que regula os contratos, de matriz constitucional, municia o magistrado com poder de afastar situações leoninas e extremamente abusivas em prejuízo ao consumidor. Portanto, inspirado no princípio da boa-fé e diretamente na própria Justiça, deve o Poder Judiciário assegurar o direito à baixa da hipoteca que recai sobre o bem adquirido por terceiro.