sexta-feira, 29 de maio de 2009

O que é? E porque?


Exercício de classificação e conceituação. O que é cada objeto acima? Porque?
Vão as dicas. No objeto à esquerda o líquido interno é vinho do porto; no do meio temos chá gelado; e no da direito temos detergente? Como definir os objetos que os abarcam?

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Conteúdo Essencial de Direitos Fundamentais

INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende oferecer uma alternativa para a compreensão do núcleo essencial dos direitos fundamentais, a partir de uma construção filosófica que contrapõe o eu-pessoal com o eu-social na construção de uma proposta cultural do direito.
Para aí chegar, é indispensável compreender que o direito não é composto apenas na sua acepção ahistórica, ou apenas na histórica, mas sim de uma maneira que reconheça a universalidade do instituto e a sua revelação nos variados contextos históricos.

Conceito e Fundamento de núcleo essencial
Nichts ist ohne Grund.[1] Cabe no primeiro momento, portanto, encontrar a razão de ser da concepção de núcleo essencial. Logo em seguida delinear um breve conceito que sirva para uma compreensão inicial do instituto.
A garantia do conteúdo essencial foi criada para controlar a atividade do Poder Legislativo, visando evitar os possíveis excessos que possam ser cometidos no momento de regular os direitos fundamentais.[2] Isto porque os direitos fundamentais, por terem natureza notadamente principiológica, acabam por ter conteúdos semântico-jurídicos geralmente abertos, necessitando da atividade do legislador infra-constitucional para dar-eficácia.[3]
Diversas constituições, mormente as do período pós-guerras, têm desenvolvido, ora de forma sistematizada ora de forma difusa, inúmeros limites à intervenção legislativa restritiva no sítio dos direitos fundamentais. Ao contrário do Estado Liberal[4], percebe-se uma manifestação de desconfiança em relação à atividade do legislador, levando a um deslocamento da questão da justiça do campo da lei para o campo da Constituição.
Período em que a democracia vergou sob furiosos assaltos dos facistas, de uma parte, e dos socialistas autoritários, de outra. Mas os regimes totalitários, destruindo completamente as liberdades democráticas, continuavam no entanto a exigi-las. Todos haviam, segundo Gaetano Mosca, “guardado o simulacro das instituições democráticas, dos Parlamentos mudos e das eleições cujo resultado se conhecia de antemão”.[5]
O surgimento desta garantia, diz Jorge Reis Novais, “está estreitamente ligado à história da Constituição de Weimar, onde às normas constitucionais de direitos fundamentais se atribuía um caráter meramente programático, não se reconhecendo à garantia por eles proporcionada mais que aquilo que já decorria do princípio da legalidade da Administração, com os corolários da reserva e preferência de lei”.[6] Durante a época da Constituição de Weimar, os direitos fundamentais eram praticamente esvaziados de conteúdo pelo trabalho do Poder Legislativo, além de não existir o controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, fazendo necessária a criação de um mecanismo, como a garantia do conteúdo essencial, que limitasse a atividade legislativa e salvaguardasse os direitos fundamentais.
Afinal, na medida em que a intervenção legislativa no campo desses direitos pode assumir uma configuração restritiva, sob o pretexto de explicitar limites imanentes pode o legislador, ainda que virtualmente, violá-los. Há que se admitir, logo, a “necessidade de se impor limites à atividade legislativa no âmbito dos direitos fundamentais para justamente salvaguardar uma série de reivindicações e conquistas contra uma eventual ação erosiva do legislador ordinário”.[7]
De ressaltar, porém, quem enquanto princípio expressamente consagrado na Constituição ou enquanto postulado constitucional imanente, o princípio da proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais.[8]
Neste intuito, alguns ordenamentos constitucionais consagraram expressamente a salvaguarda do núcleo essencial (p.ex. art. 19, II da Lei fundamental alemã de 1949; no art. 18, III da Constituição portuguesa; e a Constituição espanhola de 1978, art. 53, n° 1).[9] De acordo com a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, p.ex., em seu art 19.2: “em caso algum pode um direito fundamental ser afetado no seu conteúdo essencial”.
Diversas são as sistematizações (expressas ou implícitas) dos limites dos limites. Em todas elas encontra-se a contemplação do princípio da preservação do núcleo essencial do direito restringido como limite intransponível. É este princípio que impõe ao legislador uma barreira não superável no que tange com sua atividade restritiva de direitos fundamentais, evitando que ocorra um processo de dessubstancialização da Constituição.[10]
Há, em que pese tudo, um notório desgaste, segundo Novais, entre o enorme sucesso que a fórmula encontrou e o reduzido sentido jurídico útil e autônomo – se é que algum existe – que, decorrido meio século sobre a sua primeira consagração positiva, é possível atribuir a esta garantia constitucional do conteúdo essencial”. [11]
Os problemas enfrentados pelo direito atualmente, tão bem apresentados pelo professor Castanheira Neves, e que refletem nos institutos jurídicos, vão ao ponto de atingir inclusivamente a sua subsistência, o qua tale do direito, ao pôr justamente em causa não só o seu verdadeiro sentido, mas a possibilidade mesma do seu sentido.[12] Desse modo é de se perguntar se algum sentido ainda resta ao princípio (ou postulado) da proteção do núcleo essencial, uma vez que já não temos um paradigma de sua interpretação, e o mesmo encontra sujeito a diversas teorias conflitantes. O que interessa, portanto, é saber se antes esse conflito é possível extrair uma proposta condizente com a culturalidade dialética inter-subjectiva típica do próprio direito.
[1] Nada existe sem razão. HEIDEGGER, Martin. A essência do fundamento. Coleção: Biblioteca da Filosofia Contemporânea. Lisboa: Edições 70, 2008. p. 12.
[2] GAVARA DE CARA, Juan Carlos. Derechos fundamentales y desarrollo legislativo. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1994. apud LOPES, Ana Maria D’Ávila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004.
[3] GOMES CANOTILHO, J.J. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. P. 261.
[4] O legislador era em quem se confiava para combater os abusos do Rei. Como disse Rousseau: Em todos os sentidos, o legislador é no Estado um homem extraordinário; se o deve ser por seu engenho, não o é menos por seu emprego (...) ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Trad. Pedro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002. p.47.
[5] MOSCA, Gaetano. História das Doutrinas Políticas. Trad. Marco Aurélio de Moura Matos. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987, p. 366.
[6] (NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela constituição. Coimbra: Coimbra, 2003, p. 779.)
[7] BIAGI, Cláudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris editor, 2005, p. 74. apud SCHIER, Paulo Ricardo. Fundamentação da Preservação do Núcleo Essencial na Constituição de 1988. Disponível em: www.conpedi.org
[8] HESSE, Grunzüge des Verfassungsrechts, p. 134 apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 316.
[9] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 315.
[10] (RODRIGUEZ-ARMAS, Magdalena Lorenzo. Analisis del contenido esensial de los derechos fundamentales. Granada: Editorial Comares, 1996, p. 74 e ss. apud SCHIER, Paulo Ricardo. Fundamentação da Preservação do Núcleo Essencial na Constituição de 1988. Disponível em: www.conpedi.org
[11] NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela constituição. Coimbra: Coimbra, 2003, p. 779.
[12] CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. vol. 3. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Pag. 43

Conteúdo Essencial de Direitos Fundamentais - Teorias Relativa e Absoluta

Por outro lado, quanto à rigidez deste conteúdo essencial, distinguem-se basicamente duas teorias:[1]
a) teoria relativa: defende a tese de que o conteúdo de um direito fundamental só pode ser conhecido analisando-se, em cada caso concreto, os valores e interesses em jogo. É esse um conceito relativo porque, segundo as exigências do momento, o conteúdo poderá ser ampliado ou restringido. Sua principal diferença com as teorias absolutas é que, para a teoria relativa, o conteúdo essencial não é uma medida preestabelecida e fixa, na medida em que não é um elemento estável nem uma parte autônoma do direito fundamental, mas possui valor constitutivo, obtido a partir do controle de constitucionalidade das normas;
Uma restrição a um direito fundamental somente é admissível se, no caso concreto, aos princípios colidentes, for atribuído um peso maior que aquele atribuído ao princípio de direito fundamental em questão. Por isso é possível afirmar que os direitos fundamentais, enquanto tais, são restrições à sua própria restrição e restringibilidade.[2]
No exercício de analogia às proposições de compreensão do direito sugerida por Castanheira Neves, em função da relatividade com que se entende o núcleo essencial de direitos fundamentais, afirma-se que esta mais se aproxima da concepção histórica.
É certo que o direito romano não foi idêntico ao direito medieval, assim como o direito medieval terá de distinguir-se do direito moderno e o direito moderno não se prolongou sem diferença no direito dos nossos dias, o que sobressalta uma característica de relatividade. O direito é uma função histórica, uma função culturalmente condicionada – afirma-se agora. E a historicidade humana – e mesmo a historicidade ontológica, que atinge as próprias essências ou os sentidos e os fundamentos constitutivos (Max Muller) – exclui, com efeito, que a solução do direito – i.e., a sua normatividade material, ainda mesmo a referida aos seus radicais fundamentos axiológicos-normativos – se possa ter por universal e inalterável. Mas daí já não é lícito concluir – como conclui o historicismo – que tudo no direito, ou que tudo o que tenha a ver com o direito, se pluralize historicamente, em termos de só mediante um mesmo nome podermos associar o que nesse sentido seria realmente diferente. É que deste modo só se comprova a diversidade histórica das soluções – neste sentido há, efectivamente, apenas direitos -, mas não se anula que essas soluções distintas o sejam de um mesmo e universal problema do direito. Ora, o jusnaturalismo, confundindo o problema com a solução – não reflectindo a distinção entre um e outra – imputou à solução a universalidade que só se justifica para o problema; e o historicismo incidindo, no errado pressuposto da mesma confusão ou não distinção, sobre a diversidade e o carácter histórico das soluções, recusa universalidade ainda ao problema.[3]
b) teoria absoluta: propugna que o conteúdo de um direito é sempre o mesmo, sem importarem as circunstâncias de cada caso em particular. Diversas manifestações do Tribunal Constitucional Federal (alemão) sugerem que ele defende uma teoria absoluta. Na decisão sobre gravações secretas afirma-se, nesse sentido, que “nem mesmo interesses preponderantes da coletividade podem justificar uma intervenção na esfera nuclear da configuração da vida privada, protegida de forma absoluta; não há lugar para um sopesamento nos termo da máxima da proporcionalidade”.[4]
Esta perspectiva coaduna-se com a perspectiva ahistórica de compreensão do direito, apresentada por Castanheira Neves. Segundo ele, será decerto inválido postular que o problema do direito (o seu por-quê) e a sua solução ( a sua determinação normativa) se possam pensar uno actu e universalmente. Foi essa a atitude a encontrada no jusnaturalismo clássico, no seu básico essencialismo de ahistoricidade. Esse jusnaturalismo pressupunha já o direito, como que numa sua necessidade ontológico-antropológica evidente – ao interrogar-se sobretudo pela sua solução, pela sua normatividade essencial, e desse modo universalizava o direito inclusive materialmente: “o direito hoje, na sua material normatividade, seria essencialmente o que fora o direito ontem e o que havia de ser direito amanhã e de sempre.”[5]
Os excessos do jusnaturalismo racional desembocaram, quase que a contrário senso, naquilo que viria confiar mais força ao jusracionalismo positivista, apresentando-se ambas, como propostas absolutas de compreensão do direito. O Positivismo, portanto traduz-se ele numa redução dogmática e conceitual do jurídico, de modo a que este encontra a sua expressão imediata, de novo se diga, num sistema normativo abstracto-logicamente elaborado e onde, portanto, as intenções lógico-sistemáticas assimilam as intenções estritamente jurídicas (prático-normativas) e tendem mesmo a substituir-se-lhes numa autonomia toda ela também lógica e sistemática. (razão moderna).[6]
É possível dizer que a idéia de núcleo essencial sugere a existência clara de elementos centrais ou essenciais e elementos acidentais, o que não deixa de preparar significativos embaraços teóricos e práticos.[7] É o que leva a crer que é perfeitamente adequada uma interpretação de historicidade do presente instituto jurídico. Ou seja, que permanece uma característica essencial do seu ser, mas existe outra que é o ser revelado , assumindo conforme o contexto histórico (tempo e espaço) uma feição contingente.
A doutrina e a jurisprudência têm predominamente aceito a relativização, só que não sob o ponto de vista negativo, mas, justamente, como a afirmação da historicidade e da exigência da constante atualização de um direito. Nesse sentido, a garantia do conteúdo essencial não apenas aceita a possibilidade da limitação, mas também a regulação de um direito fundamental, com a finalidade de permitir que possa ser efetivamente exercido, mas sempre que não seja desnaturalizado. Essa garantia, junto com os princípios da ponderação dos bens e da proporcionalidade, constitui um mecanismo indispensável na realização dos direitos fundamentais, os quais não são direitos absolutos, mas também não são, nem muito menos, instrumentos da arbitrariedade do legislador.
É verdade que a teoria absoluta, ao acolher uma noção material do núcleo essencial, insuscetível de redução por parte do legislador pode converter-se, em muitos casos, numa fórmula vazia, dada a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de se demonstrar ou caracterizar in abstracto a existência desse mínimo essencial. É certo, outrossim, que a idéia de uma proteção ao núcleo essencial do direito fundamental, de difícil identificação, pode ensejar o sacrifício do objeto que se pretende proteger.
Doutra parte, a opção pela teoria relativa pode conferir uma flexibilidade exagerada ao estatuto dos direitos fundamentais, o que acaba por descaracterizá-los com princípios centrais do sistema constitucional.[8]
Ressalte-se, por fim, a título didático a teoria esboçada por Dominique Turpin: “Même s’il ne possède plus son entière liberte naturelle, l’individu conservem dans CE contexte, de nombreaux ‘espaces de liberté’ impliquant tantôt une simple abstention de l’État (...) tantôt des prestarions positives de as part (droit sociaux). (...) Comme ces droits son antérieurs (et supérieurs) aux États, ils sont proclamés dans des ‘declarations’, que ne les créent pas mais simplement les raconnaissent, en particulier le ‘noyau dur’ des droits des l’homme, intangible e imprescriptible.”
[1] LOPES, Ana Maria D’Ávila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004
[2] (ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008. p. 296)
[3] CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. vol. 3. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Pag. 12
[4] (BVerfGE 34, 238 (245) apud Alexy, 298)
[5]CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. vol. 3. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Pag. 12
[6] CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. vol. 3. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Pag. 47
[7] MARTINEZ-PUJALTE, La garantia Del contenido esencial de los derechos fundamentales. p. 31 apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 318
[8] MARTINEZ-PUJALTE, La garantia Del contenido esencial de los derechos fundamentales. p. 28 apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 318

Conteúdo Essencial de Direitos Fundamentais - Teorias Subjetiva e Objetiva


Já num posicionamento que corresponde aos acontecimentos histórico-doutrinários, é possível, portanto, classificar as teorias sobre o núcleo essencial em subjetiva e objetiva.
Para melhor esclarecer, lança-se a pergunta elaborada pelo professor Canotilho: Qual o objecto da protecção: o direito subjectivo individual ou a garantia objectiva? Qual o valor da protecção: o núcleo essencial é um valor absoluto ou depende da sua confrontação com outros direitos ou bens?[1]
Pois bem, sobre os critérios utilizados para determinar o conteúdo essencial não existe consenso. A discussão gira em torno de se deve ser estabelecido segundo uma norma objetiva ou um direito subjetivo.
O primeiro critério exige a consideração global do problema, visto que os artigos que contêm os direitos fundamentais são parte de todo o ordenamento jurídico. Assim, admite-se que um direito fundamental possa não ser aplicado a um particular, sem que isso afete o conteúdo essencial, mas sempre que continue vigente para as demais pessoas. Partindo da lição dada pelo professor Vieira de Andrade, é possível entender que o núcleo mínimo dos direitos fundamentais se refere ao «complexo jurídico-normativo na sua essência» e não à realidade social em si. É com esse alcance que vinculam o Estado, admitindo um espaço maior ou menor, de liberdade de conformação, mas lhe sendo vedado sempre a destruição, bem como a descaracterização ou a desfiguração do instituto (do seu núcleo essencial).[2] Segundo Friedrich Klein, uma interpretação objetiva implica que a validade de uma disposição de direito fundamental seja de tal forma reduzida que se torne insignificante para todos os indivíduos ou para a maior parte deles ou ainda para a vida social.[3]
Em oposição, quando é considerada a teoria subjetiva, é necessário examinar a gravidade da limitação do direito em relação ao indivíduo afetado, pois é ele, e não a coletividade, o sujeito desse direito fundamental.[4] Alexy, ao comentar o dispositivo da Lei Fundamental alemã, afirma que “se a Constituição (alemã) estabelece algo tão importante quanto uma proibição de afetação do conteúdo essencial dos direito fundamentais, então, isso diz respeito no mínimo também a posições de direitos fundamentais individuais.”[5] Segundo ele, a natureza dos direitos fundamentais como direitos dos indivíduos milita, no mínimo, a favor de uma coexistência de uma teoria subjetiva e de uma teoria objetiva.[6]
Um núcleo essencial estritamente jurídico (objetivo) só preserva a existência do próprio instituto jurídico, enquanto um núcleo essencial sócio-cultural pressupõe uma realização efetiva e teleológica do mínimo que se pretende resguardar. E cada vez mais se é levado a crer que a idéia de núcleo essencial é menos imutável, menos universal; e mais contingente, social, histórica, assumindo uma feição cada vez mais cultural. É certo que o mínimo será universal naquilo que a humanidade tem de universal. Mas será cultural quando leva em conta as características de cada Estado, Povo, Sociedade, onde se faz imprescindível a análise pelo juiz. O tanto que se quis fugir da idéia de relegar a solução da problemática à análise do caso concreto não foi suficiente para deixar de reconhecer a importância da figura do Juiz na apreciação do mínimo essencial.
Mas a concepção do direito como um fenômeno cultural, impõe uma análise de outros fatores que transbordam à esfera estritamente jurídica e que não se nega uma dimensão constitutiva da historicidade e tempo, como sugerira Martin Heidegger, tendo uma intencionalidade marcadamente antropológico-histórica, compreendendo a juridicidade como um «projeto histórico-social do homem», agora não mais a priori, absoluto ou indisponível, mas resultado de uma dialética entre pressupostas condições humano-sociais.[7]
[1] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 459
[2] ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3.ed. Coimbra: Almedina, 2004. P. 145.
[3] Hermann v. Mangoldt/ Friedrich Klein, Das Bonner Grundgesetz, v.1, art. 19, Anm. V 2a. apud ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008. p. 297
[4] LOPES, Ana Maria D’Ávila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004
[5] ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008. p. 297
[6] ALEXY, Robert. Theory der Grundrechte. 5.ed. trad. VIRGILIO AFONSO DA SILVA. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros,2008. p. 297
[7] CASTANHEIRA NEVES, A. A crise actual da Filosofia do Direito no contexto da crise global da filosofia. Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Editora, 2003.p. 40.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Reclamação Trabalhista contra a ONU/PNUD: Imunidade de Jurisdição e Execução - 1

Trago aos senhores e senhoras um julgamento ainda em curso no STF e que aborda um tema que num futuro bem próximo tomará conta dos nossos tribunais. É justamente a questão da imunidade de jurisdição e execução de Organismos Internacionais. Não estou falando unicamente de Estados soberanos externos, mas sim de organismos que não têm uma base jurisdicional territorial , como é o caso da ONU. Portanto, aguardemos o desenrolar do julgamento. A princípio o STF está discordando do TST, quando aquele entende que a ONU/PNUD é dotada de imunidade de jurisdição e execução, e não só de execução como entendia o tribunal do trabalho. Vejamos.
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O Tribunal iniciou julgamento conjunto de recursos extraordinários interpostos pela Organização das Nações Unidas - ONU, por seu Programa para o Desenvolvimento - PNUD, e pela União nos quais se analisa a existência, ou não, de imunidade de jurisdição e de execução para as organizações internacionais. Na espécie, o juízo da 1ª Vara Federal do Trabalho de Cuiabá-MT, afastando a imunidade de jurisdição expressamente invocada pela ONU/PNUD, com base, dentre outros, na Seção 2 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 27.784/50, julgara procedente reclamação trabalhista contra ela ajuizada pelo ora recorrido — que para ela trabalhara em projeto desenvolvido no Estado do Mato Grosso - PRODEAGRO, na função de monitor técnico de licitações —, condenando-a ao pagamento de diversas verbas trabalhistas. A sentença, entretanto, reconhecera a imunidade de execução da reclamada e a necessidade da renúncia expressa para o seu afastamento. Interposto recurso ordinário pelo reclamante, o TRT da 23ª Região ratificara o entendimento pela inexistência de imunidade de jurisdição em causas trabalhistas e ainda afastara a imunidade à execução do julgado. Após o trânsito em julgado dessa decisão e o início da fase executória, a ONU/PNUD ajuizara ação rescisória perante aquela Corte regional, com fundamento no art. 485, V, do CPC, sustentando violação literal ao disposto na aludida Convenção. O pedido rescisório fora julgado improcedente, o que ensejara a interposição de recurso ordinário. Os apelos extremos impugnam o acórdão do TST que negara provimento a esse recurso ordinário, ao fundamento de que a Justiça do Trabalho, nos termos do que previsto no art. 114 da CF, seria competente para processar e julgar demandas envolvendo organismos internacionais, decorrentes de qualquer relação de trabalho. Alega a ONU/PNUD que a decisão recorrida ofende os artigos 5º, II, XXXV, LII e § 2º, e 114, caput, da CF, e declara a inconstitucionalidade da citada Convenção. Por sua vez, a União aponta afronta aos artigos 5º, LIV, § 2º, 49, I, 84, VIII, e 114, da CF.RE 578543/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 7.5.2009. (RE-578543)RE 597368/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 7.5.2009. (RE-597368)


Reclamação Trabalhista contra a ONU/PNUD: Imunidade de Jurisdição e Execução - 2A Min. Ellen Gracie, relatora, conheceu em parte dos recursos, e, na parte conhecida, a eles deu provimento para, reconhecendo a afronta à literal disposição contida na Seção 2 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, julgar procedente o pleito formulado na ação rescisória, a fim de desconstituir o acórdão do TRT da 23ª Região e reconhecer a imunidade de jurisdição e de execução da ONU/PNUD. Entendeu, em síntese, que o acórdão recorrido ofende tanto o art. 114 quanto o art. 5º, § 2º, ambos da CF, já que confere interpretação extravagante ao primeiro, no sentido de que ele tem o condão de afastar toda e qualquer norma de imunidade de jurisdição acaso existente em matéria trabalhista, bem como despreza o teor de tratados internacionais celebrados pelo Brasil que asseguram a imunidade de jurisdição e de execução da recorrente. Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista da Min. Cármen Lúcia. Leia o inteiro teor do voto da relatora no RE 578543/MT na seção “Transcrições” deste Informativo.

Psicologia Moral!

Além da capacidade de ter uma concepção do bem, os cidadãos têm a capacidade de aceitar princípios políticos de justiça que sejam razoáveis e o desejo de agir de acordo com tais princípios; quando os cidadãos acreditam que as instituições e os procedimentos políticos são justos (como esses princípios especificam), ele estão dispostos a fazer sua parte naquele arranjos, quando têm certeza de que os outros também farão a parte delas; se os outros exibem intenção evidente de fazer a sua parte, as pessoas tendem a aumentar sua confiança neles; essa confiança se torna mais forte quando o sucesso dos arranjos é duradouro; a confiança também aumenta à medida que as instituições básicas elaboradas para assegurar nossos interesses fundamentais são mais firme e voluntariamente reconhecidas.
(John Rawls - Liberalismo Político - pag. 210)